segunda-feira, 28 de março de 2016

contei nos dedos das mãos repetidos os homens
todos os homens que eu já beijei e só esses
são poucos comparados com todos os outros que eu já

esses lábios que você vê de película rosada
têm mais calos que a curva do dedão em contato
com a sola gasta do único par de tênis que ainda tenho

hoje é o dia
dos amores confessados, em verso
fácil e enjambement
malandrão

uma vida de beijos e palavras
à procura da delícia

que aparece em cada esquina em cada olhada
mas some tão depressa que parece nunca ter
existido

com sono e na trincheira de um colchão
cercado por bens baratos comprados com oito horas
diárias de trabalho
assalariado

masco pedaços do meu corpo soltos da pele dos dedos
ao rés da unha enquanto penso
uma rota de fuga um começo de incêndio

um navio naufragado
cometer homicídio
trinta anos de idade

chupar o calo dos beijos

sexta-feira, 25 de março de 2016

a paixão
é este martírio: coração
açoitado nos caminhos
entre o útero inocente da tua mãe
e a cruz do teu último suspiro

sexta-feira
companhia selvagem de naufragado
às vésperas de uma espera
por resgate e por acaso
promessa de sábado

dois mil anos depois
da sua morte sem registro e do seu corpo
aos céus sequestrado
quem diria
que te estaríamos repetindo
metaforicamente
num feriado

terça-feira, 15 de março de 2016

o poeta rejeitado

Pela transparência da camisa puída
o elástico desfiado da cueca demonstra
o que a bengala já dizia ao te deixar
cair sentado entre as cadeiras do auditório

a voz barítona e sem ritmo então
termina de te anunciar pra todo mundo
como o poeta que o editor homenageado
rejeitou publicar por não ter qualidade

justo ele, que publicava tanta gente
inclusive os que no palco honram sua morte
(um fala de si mesmo em terceira pessoa

a obra completa do outro não diz nada).
Você sorri contando causos de que lembra
louva a amizade e lamenta não ser poeta.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Não tenho apego
a nenhum dos meus poemas
quem quiser que pegue eles
e refaça
como achar melhor

palavras recompostas
outras quebras de versos
ou ideias
deformadas
destruídas o que for

não tenho apego ao meu nome
ao meu corpo tenho pouco
nada basta ao texto
e eu não quero ter apego

que nem Deus
depois de descansar
passa os séculos fingindo

não ter
nada a ver
com Isto.
Toda noite
me visita
em hálito

rente
ao rosto
quase não percebo

a Morte
seu hábito

de me cobrir
e assim que
volta o sol

escapa
eu de novo
tenho frio

quarta-feira, 2 de março de 2016

Se a manta do tempo
fosse de repente retirada
os planetas soltos
sem compromisso uns com os outros

Deus
é a nossa manta
que falta

Um planeta com frio
no vácuo sem Newton
sem Einstein perdido
de errante destino

Futuro, ó força
centrípeta ignota
vazio que canta
ralo aberto do tempo

Relento
nos cobre
do fim que adianta
Tua manta

terça-feira, 1 de março de 2016

Você pula entre as folhas podadas

Tigre bobo do conjunto residencial

Séculos concluídos de comodidade evolutiva

Sobre quatro patinhas quase sem peso

Filhote de gato

Desbravando a selva

da Vida