"(...) dentro de si mesmo como um passarinho sem asas."
(Leonardo Fróes, "Um cachorro de água e os sentimentos atômicos")
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Os dentes de Deus
Separo dois pratos
um com a parte da fruta podre
batida e mofada, pronta pra ser descartada
e outro com a manga brilhante,
firme, amarela e doce,
pronta pra ser consumida
Assim Deus, descendo dos céus
vai separar as pessoas entre aquelas
que serão tragadas pela terra
e pelos microrganismos que vivem nela
e as sem estrago nem prejuízo
à saúde e ao paladar
vão ser trituradas pelos dentes de Deus
digeridas por Sua santa saliva e doze horas
depois depositadas na base
da Árvore da Vida
em forma de fezes
divinas
um com a parte da fruta podre
batida e mofada, pronta pra ser descartada
e outro com a manga brilhante,
firme, amarela e doce,
pronta pra ser consumida
Assim Deus, descendo dos céus
vai separar as pessoas entre aquelas
que serão tragadas pela terra
e pelos microrganismos que vivem nela
e as sem estrago nem prejuízo
à saúde e ao paladar
vão ser trituradas pelos dentes de Deus
digeridas por Sua santa saliva e doze horas
depois depositadas na base
da Árvore da Vida
em forma de fezes
divinas
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
O peixe que nomeia
a minha cidade
nunca foi visto
pelas professoras que o traduziam
de ouvido
como peixe sem nome
de um rio abstrato
jundiá
se dizia
era uma espécie de bagre
abundante no í
qualquer água
que corre em qualquer língua
tupi
extinto
do rol das espécies esse peixe
nada solto
em cadernos escolares de crianças
elas mesmas um bagre preso
em números de registro e nomes próprios
daqui a pouco
em corpos inteligíveis
e traços de pertencimento de classe
todas as crianças dessa cidade
americana na linha do trópico de Capricórnio
levam o esquecimento desse peixe
e da língua desconhecida que o nomeia
em português na memória ou na carteira
de identidade que será usada
um dia
para o aquário da lei antiterrorismo
sob os olhares famintos da família
e dos colegas que em outros tempos matariam
todos os índios
e os peixes de um rio canalizado
vamos viver e destruir
que dos inimigos sobre só
a casca
de uma palavra
os espíritos dos peixes se acumulam
em cardume sobre as secas do sossego
e as crianças soletram o nome deles
no movimento rápido dos olhos
quando sonham
que voam
a minha cidade
nunca foi visto
pelas professoras que o traduziam
de ouvido
como peixe sem nome
de um rio abstrato
jundiá
se dizia
era uma espécie de bagre
abundante no í
qualquer água
que corre em qualquer língua
tupi
extinto
do rol das espécies esse peixe
nada solto
em cadernos escolares de crianças
elas mesmas um bagre preso
em números de registro e nomes próprios
daqui a pouco
em corpos inteligíveis
e traços de pertencimento de classe
todas as crianças dessa cidade
americana na linha do trópico de Capricórnio
levam o esquecimento desse peixe
e da língua desconhecida que o nomeia
em português na memória ou na carteira
de identidade que será usada
um dia
para o aquário da lei antiterrorismo
sob os olhares famintos da família
e dos colegas que em outros tempos matariam
todos os índios
e os peixes de um rio canalizado
vamos viver e destruir
que dos inimigos sobre só
a casca
de uma palavra
os espíritos dos peixes se acumulam
em cardume sobre as secas do sossego
e as crianças soletram o nome deles
no movimento rápido dos olhos
quando sonham
que voam
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
o imperador do nada
Com cem cachorros ao redor
Atentos ao espaço entre as coisas
Indefeso se levanta
O Imperador do Nada
Dois
Pés sustentam todos
Os que detêm a Posse
Dos nomes dos cem cachorros
Soltos apegados
Dê suas ordens pois
O Nada vai
Obedecer
Atentos ao espaço entre as coisas
Indefeso se levanta
O Imperador do Nada
Dois
Pés sustentam todos
Os que detêm a Posse
Dos nomes dos cem cachorros
Soltos apegados
Dê suas ordens pois
O Nada vai
Obedecer
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
o lado escuro da vida
dentro das páginas
dos livros guardados
é sempre noite
*
se você pega e abre
aleatório o primeiro que o dedo alcança
a noite escapa e te morde
*
é uma noite luminosa
como o sonho que eu tenho
de morrer em nova york
*
é uma noite luminosa
como os sonhos que eu tenho
parece que passei a noite em claro
*
de tanto tomar
antirretroviral
estou vivo e sempre
acordado
*
às vezes o livro
não te dá
nada
*
às vezes
o escuro está dentro
de você
*
como se você fosse
o espaço entre as páginas
de um livro guardado
*
alguém vem e te abre
e o seu escuro
escapa
*
e passa
o resto do tempo
tentando morder
*
que noite
luminosa
é a vida!
dos livros guardados
é sempre noite
*
se você pega e abre
aleatório o primeiro que o dedo alcança
a noite escapa e te morde
*
é uma noite luminosa
como o sonho que eu tenho
de morrer em nova york
*
é uma noite luminosa
como os sonhos que eu tenho
parece que passei a noite em claro
*
de tanto tomar
antirretroviral
estou vivo e sempre
acordado
*
às vezes o livro
não te dá
nada
*
às vezes
o escuro está dentro
de você
*
como se você fosse
o espaço entre as páginas
de um livro guardado
*
alguém vem e te abre
e o seu escuro
escapa
*
e passa
o resto do tempo
tentando morder
*
que noite
luminosa
é a vida!
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
um minuto para o fim do mundo
na TV, acabaram de avisar
FALTA UM MINUTO PARA O MUNDO ACABAR
minha mãe levou um susto
deu um pulo do sofá
bateu a cabeça no teto
caiu de pernas pro ar
depois levantou aos berros
e foi correndo pro banheiro
pisou no rabo do gato
que gritou um grande miado
saltou pela janela
e saiu em disparada
provocando um acidente
bem na frente da minha casa
os motoristas dos dois carros
nem notaram o acidente
tinham ouvido pelo rádio
a notícia do mundo acabando
então saíram correndo
e quem viu isso achou boa
a ideia e fez o mesmo
fui pra janela procurar o gato
e vi aquela confusão
motorista abraçando poste
cachorro na contramão
careca arrancando os cabelos
e o meu gato, atordoado,
fugindo de medo de um rato
o sorveteiro, desesperado,
meteu a cara no sorvete
o carteiro, ensandecido,
rasgava as cartas da gente
o pipoqueiro, amalucado,
jogava as pipocas pro alto
e o meu gato, coitadinho,
grudou na canela do vizinho
uma freira levantou a saia
e molhou a bunda na poça
depois caiu na gargalhada
jogando meleca na moça
que sentada, entristecida,
pensava no sentido da vida
e o meu gato, já cansado,
veio ficar do meu lado
então eu voltei pro sofá
pensando na confusão
como todo mundo gritava
aumentei o volume da televisão
minha mãe corria pela casa
indo de um lado para o outro
e o meu gato, adormecido
ficou no meu colo ronronando
então a TV avisou
UMA NOTÍCIA DE ÚLTIMO MINUTO
ACABARAM DE ANUNCIAR
NÃO VAI MAIS TER FIM DO MUNDO
CONTINUE ASSISTINDO
A NOSSA PROGRAMAÇÃO
minha mãe, ouvindo isso,
caiu sentada no sofá
a queda acordou o gato
que ficou contrariado
espreguiçou o corpo todo
e saindo do meu colo
desceu do sofá num pulo
e esbanjando rebolado
foi dormir em outro lado
FALTA UM MINUTO PARA O MUNDO ACABAR
minha mãe levou um susto
deu um pulo do sofá
bateu a cabeça no teto
caiu de pernas pro ar
depois levantou aos berros
e foi correndo pro banheiro
pisou no rabo do gato
que gritou um grande miado
saltou pela janela
e saiu em disparada
provocando um acidente
bem na frente da minha casa
os motoristas dos dois carros
nem notaram o acidente
tinham ouvido pelo rádio
a notícia do mundo acabando
então saíram correndo
e quem viu isso achou boa
a ideia e fez o mesmo
fui pra janela procurar o gato
e vi aquela confusão
motorista abraçando poste
cachorro na contramão
careca arrancando os cabelos
e o meu gato, atordoado,
fugindo de medo de um rato
o sorveteiro, desesperado,
meteu a cara no sorvete
o carteiro, ensandecido,
rasgava as cartas da gente
o pipoqueiro, amalucado,
jogava as pipocas pro alto
e o meu gato, coitadinho,
grudou na canela do vizinho
uma freira levantou a saia
e molhou a bunda na poça
depois caiu na gargalhada
jogando meleca na moça
que sentada, entristecida,
pensava no sentido da vida
e o meu gato, já cansado,
veio ficar do meu lado
então eu voltei pro sofá
pensando na confusão
como todo mundo gritava
aumentei o volume da televisão
minha mãe corria pela casa
indo de um lado para o outro
e o meu gato, adormecido
ficou no meu colo ronronando
então a TV avisou
UMA NOTÍCIA DE ÚLTIMO MINUTO
ACABARAM DE ANUNCIAR
NÃO VAI MAIS TER FIM DO MUNDO
CONTINUE ASSISTINDO
A NOSSA PROGRAMAÇÃO
minha mãe, ouvindo isso,
caiu sentada no sofá
a queda acordou o gato
que ficou contrariado
espreguiçou o corpo todo
e saindo do meu colo
desceu do sofá num pulo
e esbanjando rebolado
foi dormir em outro lado
hai cão
Os cachorros
piscam
deitados no chão
*
Rabo, pelos
ausência de agenda
o que me distancia
deles
*
Ter quatro patas
e não saber o que são
quatro patas
*
O estranho
no portão
recebido a latidos
*
O estranho recebido
com o rabo
e o focinho
*
O estranho
é amigo
ou coceira
*
Minha boca
é minha
única arma
*
O uivo
comunica
o uivo
*
Palavra
gutural
e única
*
Quando o cachorro
ama
o rabo balança
*
Não existe objetivo
que permaneça frente
à coceira
*
Um dono
que te ame
e sacrifique
*
Um dono
que te eduque
e te abandone
*
Um dono
que te bata
e te alimente
*
Um dono
que não
te entenda
*
Confunde
amor
com comida
*
Amor e comida:
mesmo remédio
anticoceira
*
Não:
a coceira
é soberana
*
Comer,
comer,
comer,
*
Cagar
a céu
aberto
*
O cão
lambe
o cu
*
O cão
cheira
o cu do Outro
*
O cão
se concentra
no pênis
*
É impossível castrar
o
desej
o
*
Existir:
vago nome
mutável
*
Viver:
tempo
incontável
*
O sonho
é um ganido
que acaba
*
Deitados
no chão
os cachorros
*
piscam
deitados no chão
*
Rabo, pelos
ausência de agenda
o que me distancia
deles
*
Ter quatro patas
e não saber o que são
quatro patas
*
O estranho
no portão
recebido a latidos
*
O estranho recebido
com o rabo
e o focinho
*
O estranho
é amigo
ou coceira
*
Minha boca
é minha
única arma
*
O uivo
comunica
o uivo
*
Palavra
gutural
e única
*
Quando o cachorro
ama
o rabo balança
*
Não existe objetivo
que permaneça frente
à coceira
*
Um dono
que te ame
e sacrifique
*
Um dono
que te eduque
e te abandone
*
Um dono
que te bata
e te alimente
*
Um dono
que não
te entenda
*
Confunde
amor
com comida
*
Amor e comida:
mesmo remédio
anticoceira
*
Não:
a coceira
é soberana
*
Comer,
comer,
comer,
*
Cagar
a céu
aberto
*
O cão
lambe
o cu
*
O cão
cheira
o cu do Outro
*
O cão
se concentra
no pênis
*
É impossível castrar
o
desej
o
*
Existir:
vago nome
mutável
*
Viver:
tempo
incontável
*
O sonho
é um ganido
que acaba
*
Deitados
no chão
os cachorros
*
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Um cheiro de pus e carne podre e material de limpeza em cada cômodo da casa, o nariz vai se acostumando e você também. Deitado na cama, ossos à mostra e feridas escondidas em cada dobra, algumas abertas, primavera, ele o jardim da morte, a gente, adubo em forma de pele gordura nos sonhos saber que dói cada minuto até que acabe, depois não sei. Ele grunhe um oi, um que bom que você veio se arrastando pela faringe, a boca. É um rasgo que todos os animais evoluíram. "Eu vou na cozinha", diz a mãe, a voz sempre embargada das mães, você cuida dele. Senta na beira da cama e pega com nojo a mão fria e suada entre as suas. Eu odeio a vida, eu odeio a morte. Os olhos assustados como os de um rato lento. Tem três anos a menos que você, parece ter a idade do seu pai, do seu avô, de todos os homens que viveram e morreram muito velhos. Que essa carne firme tão firme ceda e se dissolva em camas e caixões e na memória do esfíncter bruto, do pau duro suando vida a carne se enrijesça e assim continue, acumulando lágrimas e ócios e olhares vazios e vontades acumulando nada, essas flores dão frutos de nada, nada o futuro das plantas e do sexo e dos segundos ocos que o ponteiro deixa pra trás, nada e memória. Avesso ao vômito você se debruça e beija a boca imunda. Nega o café, o biscoito, se despede com pressa do apartamento, um cubo de nojo suspenso na cidade feita de esgoto e de gente que não se conhece. Chega na rua esperando vento, mas o ar está parado, e começa a andar ofegando de volta pra casa.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
se, por acaso
pixels e papéis
sobreviverem
aos vírus e à decomposição
do presente
talvez
virá
você
mestrandx do futuro
tirar valor
e dar dizer
a estes versos
presentes
escreverá
sobre eles
parágrafos ordenados
em páginas avaliadas pelos pares
na esperança
de dizer
algo de útil, duradouro
ou que ao menos valha o título
na esperança de que ele
faça mais fácil
a sua vida
desde hoje eu te desejo
boa sorte
na vida e na escrita se por acaso
você um
dia existir
pixels e papéis
sobreviverem
aos vírus e à decomposição
do presente
talvez
virá
você
mestrandx do futuro
tirar valor
e dar dizer
a estes versos
presentes
escreverá
sobre eles
parágrafos ordenados
em páginas avaliadas pelos pares
na esperança
de dizer
algo de útil, duradouro
ou que ao menos valha o título
na esperança de que ele
faça mais fácil
a sua vida
desde hoje eu te desejo
boa sorte
na vida e na escrita se por acaso
você um
dia existir
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