Recebo do mundo oxigênio e seus venenos
a herança está estilhaçada em todas as partes
há cinquenta anos eu nem era nascido e recebemos as primeiras fotos do planeta vindas lá de fora
essa esfera azul marmórea vai se distanciando a cada dia que passa
não sei se fico mais sozinho ou acompanhado quando acompanho esse movimento
bebo leite que muito provavelmente tem coágulos de pus de vaca oculta em matadouro
vou vivendo esquecido de que também sou um mamífero
mas gostaria de dar tetas fartas e ninhos pra todas as crianças que dormem nas ruas
pobre daquele que se esquece que existem crianças dormindo nas ruas
nosso autorretrato na sonda Voyager 1 no ano arbitrário de mil novecentos e noventa
o chamamos de pálido ponto azul
é nossa esperança
e Carl Sagan já disse melhor do que direi
que tudo tudo tudo que existe e existiu está ali, aqui
neste grão de pó suspenso num raio de sol
devolvo ao mundo gás carbônico, fezes, urina
e a insistência na lembrança dessa cor longínqua:
o azul
quarta-feira, 29 de junho de 2016
segunda-feira, 27 de junho de 2016
a estrela
o essencial é invisível aos olhos
um feixe de luz entra pela minha janela transformando o ar
esmegma de monóxido de carbono que sufoca são paulo
em anel de saturno, só que reto e finito
que bonito
os ácaros voam agarrados a pedaçúnculos de pele morta
atravessados, como eu, pelos neutrinos exteriores à galáxia
são leves no furo do poço que o planeta imprime no espaço-tempo
somos elásticos por causa das ondas de gravidade que banham a gente
mundo incansável
eu resultado da sua equação existo pra compartilhar tudo isso
e perpetuar e trazer tédio e destruição pro universo como um todo
cada coisa tem sua razão de ser
pode ser loucura
pode ser não ser
obrigado, espírito de deus concebido pelos meus antepassados
neste começo de tarde de pés frios vivendo no inverno do trópico de capricórnio
aceito as paredes da casa alugada e os raios cancerígenos da torre de celular aqui do lado
céu escuro iluminado
bem-vindo, dia igual aos outros
um feixe de luz entra pela minha janela transformando o ar
esmegma de monóxido de carbono que sufoca são paulo
em anel de saturno, só que reto e finito
que bonito
os ácaros voam agarrados a pedaçúnculos de pele morta
atravessados, como eu, pelos neutrinos exteriores à galáxia
são leves no furo do poço que o planeta imprime no espaço-tempo
somos elásticos por causa das ondas de gravidade que banham a gente
mundo incansável
eu resultado da sua equação existo pra compartilhar tudo isso
e perpetuar e trazer tédio e destruição pro universo como um todo
cada coisa tem sua razão de ser
pode ser loucura
pode ser não ser
obrigado, espírito de deus concebido pelos meus antepassados
neste começo de tarde de pés frios vivendo no inverno do trópico de capricórnio
aceito as paredes da casa alugada e os raios cancerígenos da torre de celular aqui do lado
céu escuro iluminado
bem-vindo, dia igual aos outros
sexta-feira, 24 de junho de 2016
refazer as palavras pegue tudo o que se construiu até agora
templos de deuses poderosos esquecidos de idiomas mortos
a delegacia de polícia está ali na esquina esperando o seu corpo de carne
tijolos garrafas plásticas adobe pegue todos os materiais possíveis
fazer edifícios de palha
improváveis torres trinta andares qualquer brisa derruba elas nem chegam a ficar prontas
palavras são palha
palavras são osso
reciclagem infinita, escavações curiosas do passado, tralhas que acumulam
um atropelo de abrigos e de absurdos nada dura
pra sempre olhar em volta / encher pulmões / se erguer do chão
templos de deuses poderosos esquecidos de idiomas mortos
a delegacia de polícia está ali na esquina esperando o seu corpo de carne
tijolos garrafas plásticas adobe pegue todos os materiais possíveis
fazer edifícios de palha
improváveis torres trinta andares qualquer brisa derruba elas nem chegam a ficar prontas
palavras são palha
palavras são osso
reciclagem infinita, escavações curiosas do passado, tralhas que acumulam
um atropelo de abrigos e de absurdos nada dura
pra sempre olhar em volta / encher pulmões / se erguer do chão
quarta-feira, 22 de junho de 2016
elegia
posso pensar átomos tocados pela língua
e rotações desta Rocha imaginária
em torno do próprio eixo, posso pensar
suas pernas abertas uma porta, entrar por elas
na casa exposta às tempestades do Tempo
nossos sonhos destelhando-se e nos deixando
sem o abrigo do látex e da potência
uma guerra entre vírus e Gulliver
amarrado entre tochas e o tempero do churrasco
nós dois separados e entre nós outros tantos átomos
que por acaso não formaram esta língua que eu passo
nos dentes trincados na gengiva que sangra
ó Big Bang Misterioso Acaso Deus Criador
Começo Inalcançável e Múltiplos Fins Imaginados
os físicos perscrutam vocês nas frestas do conhecimento
e enchem minha cabeça de mitos que remetem a mim mesmo
enquanto a língua áspera e as hemorroidas insistem cuidados médicos
e a Morte sussurra à porta sem pressa testando as chaves
encontrar uma pista de pouso entre as cordilheiras fechadas do Dia
suas pernas abertas sem átomos ou medo ou movimentos planetários
eu rezo pra que as feridas nunca nasçam na sua pele com cheiro de gente viva
a batalha é uma dança dói ela só termina quando for vencida
e rotações desta Rocha imaginária
em torno do próprio eixo, posso pensar
suas pernas abertas uma porta, entrar por elas
na casa exposta às tempestades do Tempo
nossos sonhos destelhando-se e nos deixando
sem o abrigo do látex e da potência
uma guerra entre vírus e Gulliver
amarrado entre tochas e o tempero do churrasco
nós dois separados e entre nós outros tantos átomos
que por acaso não formaram esta língua que eu passo
nos dentes trincados na gengiva que sangra
ó Big Bang Misterioso Acaso Deus Criador
Começo Inalcançável e Múltiplos Fins Imaginados
os físicos perscrutam vocês nas frestas do conhecimento
e enchem minha cabeça de mitos que remetem a mim mesmo
enquanto a língua áspera e as hemorroidas insistem cuidados médicos
e a Morte sussurra à porta sem pressa testando as chaves
encontrar uma pista de pouso entre as cordilheiras fechadas do Dia
suas pernas abertas sem átomos ou medo ou movimentos planetários
eu rezo pra que as feridas nunca nasçam na sua pele com cheiro de gente viva
a batalha é uma dança dói ela só termina quando for vencida
os meus cachorros devem me ver escrever
que nem os latidos pro nada a corrida sem sentido dos gatos
minhocas que querem escapar da composteira apesar de estarem no ambiente certo e com bastante comida
me pergunto se esse urubu voando em círculos sobre a nossa cabeça tem algum sucesso na sua busca
se aquele gambá que vi na beira de estrada no ano passado subido na árvore
tinha filhos e desejo de vê-los vivos
nessa curta vida devo ter escrito mais palavras do que a atual população de gambás do planeta
se amarrassem elas nos rabos dos bichos que incômodo seria se moverem
convivo com prazer incomodado entre os animais que sobreviveram à minha presença
e escrevo sem saber de mim mais do que sei dos meus companheiros
do mesmo jeito que observo meus cachorros latindo para o nada
e a corrida sem sentido dos gatos
que nem os latidos pro nada a corrida sem sentido dos gatos
minhocas que querem escapar da composteira apesar de estarem no ambiente certo e com bastante comida
me pergunto se esse urubu voando em círculos sobre a nossa cabeça tem algum sucesso na sua busca
se aquele gambá que vi na beira de estrada no ano passado subido na árvore
tinha filhos e desejo de vê-los vivos
nessa curta vida devo ter escrito mais palavras do que a atual população de gambás do planeta
se amarrassem elas nos rabos dos bichos que incômodo seria se moverem
convivo com prazer incomodado entre os animais que sobreviveram à minha presença
e escrevo sem saber de mim mais do que sei dos meus companheiros
do mesmo jeito que observo meus cachorros latindo para o nada
e a corrida sem sentido dos gatos
cada vez menos dias pela frente
e mais cachorros em volta
o dia é uma ilusão de ótica / sem rabo pra abanar
os corpos dos cachorros vão se acumulando em estradas jardins terrenos baldios
é um chão canino / recheado de ossinhos
preso no buraco da gravidade
ele late quando é noite em cada canto do mundo existe a noite
barriga pra cima pra todo mundo pisar em cima
e a barriga é a parte mais frágil do corpo animal
exposta sem estrutura óssea minha nossa senhora rogai
pela grande barriga celestial os bichos deslizam
o Tempo te faz carícia
e mais cachorros em volta
o dia é uma ilusão de ótica / sem rabo pra abanar
os corpos dos cachorros vão se acumulando em estradas jardins terrenos baldios
é um chão canino / recheado de ossinhos
preso no buraco da gravidade
ele late quando é noite em cada canto do mundo existe a noite
barriga pra cima pra todo mundo pisar em cima
e a barriga é a parte mais frágil do corpo animal
exposta sem estrutura óssea minha nossa senhora rogai
pela grande barriga celestial os bichos deslizam
o Tempo te faz carícia
segunda-feira, 20 de junho de 2016
sábado, 18 de junho de 2016
fiações, fusíveis, parafusos
Trança humana
A arte é uma rede de comunicações no tempo.
Há subestações de alta potência:
Homero, Dante, Shakespeare, Bach, Goya...
E há fiações, fusíveis, parafusos, isolantes,
Singelos e imprescindíveis.
(Paulo Mendes Campos)
A arte é uma rede de comunicações no tempo.
Há subestações de alta potência:
Homero, Dante, Shakespeare, Bach, Goya...
E há fiações, fusíveis, parafusos, isolantes,
Singelos e imprescindíveis.
(Paulo Mendes Campos)
sexta-feira, 17 de junho de 2016
a força
No centro da margem da superfície do planeta
ninguém se interessa pelas coisas que eu escrevo além de dois ou três amigos
a conta bancária evidencia o destino do poeta
e a poesia é uma prova de fogo no inverno das mudanças climáticas
palavras são usadas há milhares de anos pela espécie
dos pixels rupestres não sobrou sequer a marca-d'água
botas pisando nos rostos o banco de dados das íris
bombas de choro o comício intenso estratégias políticas
eu produzo sintaxes sem muita novidade os textos se anunciam
arautos do já era uma vida de espera e contundência
meus nomes rasurados das capas do livro de Deus morto
e morto vigiarei as conquistas dos séculos vindouros
de alma trancafiada na historicidade do corpo incomodado
receba os malabares de versos incapazes de cavar vulcões
a lava invisível lavará a vossa incompetência
com bilhões trilhões neutrinos atravessam os corpos sólidos chocando-se no Acaso
o vácuo é teu destino Universo completo de matéria escura
venham a mim os miseráveis somos todos de vontade de ser um Todo
suplantado pelo novo feito mofo repousa sobre a pedra
gratidão por estes átomos e desgosto pelo esmalte do dente rachado
a Terra é ouro cansaço e força e projeção de Finitude
ponto pálido que anula o abismo e a altitude
recolhem-se as Crianças atentas ao que não tem Forma
e formam um tecido uma atração outra ciranda
meu trabalho é desaparecer assim que for possível
deixar pegadas que confundam o caminho do Impossível
ninguém se interessa pelas coisas que eu escrevo além de dois ou três amigos
a conta bancária evidencia o destino do poeta
e a poesia é uma prova de fogo no inverno das mudanças climáticas
palavras são usadas há milhares de anos pela espécie
dos pixels rupestres não sobrou sequer a marca-d'água
botas pisando nos rostos o banco de dados das íris
bombas de choro o comício intenso estratégias políticas
eu produzo sintaxes sem muita novidade os textos se anunciam
arautos do já era uma vida de espera e contundência
meus nomes rasurados das capas do livro de Deus morto
e morto vigiarei as conquistas dos séculos vindouros
de alma trancafiada na historicidade do corpo incomodado
receba os malabares de versos incapazes de cavar vulcões
a lava invisível lavará a vossa incompetência
com bilhões trilhões neutrinos atravessam os corpos sólidos chocando-se no Acaso
o vácuo é teu destino Universo completo de matéria escura
venham a mim os miseráveis somos todos de vontade de ser um Todo
suplantado pelo novo feito mofo repousa sobre a pedra
gratidão por estes átomos e desgosto pelo esmalte do dente rachado
a Terra é ouro cansaço e força e projeção de Finitude
ponto pálido que anula o abismo e a altitude
recolhem-se as Crianças atentas ao que não tem Forma
e formam um tecido uma atração outra ciranda
meu trabalho é desaparecer assim que for possível
deixar pegadas que confundam o caminho do Impossível
domingo, 12 de junho de 2016
inverno paulista
As marcas de suor no lençol
fino cobrindo o seu colchão
no chão são ainda mais finas
os pelos espalhados na sua perna
também não servem pra te proteger
do frio que vem
quando o planeta dá seus giros
e confirma a mesma sina talvez
um cataclismo ambiental nos mobilize
acumulados uns nos outros
a gente se acolha e se ampare
de um jeito primeira vez experimentado
menino uma incógnita
esse futuro junto e esse presente
isolado
fino cobrindo o seu colchão
no chão são ainda mais finas
os pelos espalhados na sua perna
também não servem pra te proteger
do frio que vem
quando o planeta dá seus giros
e confirma a mesma sina talvez
um cataclismo ambiental nos mobilize
acumulados uns nos outros
a gente se acolha e se ampare
de um jeito primeira vez experimentado
menino uma incógnita
esse futuro junto e esse presente
isolado
terça-feira, 7 de junho de 2016
a fila
conheci todos os meninos do planeta
eles faziam fila pra passar na minha frente
a gente flertava mas nenhum deles ficava
perto só uma pedra e eu sentado
um cachorro me fazia companhia
rosnando cada vez que eu me mexia
para olhar mais de perto os meninos
óculos mostram rugas ocultas
nos rostos eles vão envelhecendo
e nos pelos cotovelos nos mamilos
mas que fila, não acaba, nunca
eles faziam fila pra passar na minha frente
a gente flertava mas nenhum deles ficava
perto só uma pedra e eu sentado
um cachorro me fazia companhia
rosnando cada vez que eu me mexia
para olhar mais de perto os meninos
óculos mostram rugas ocultas
nos rostos eles vão envelhecendo
e nos pelos cotovelos nos mamilos
mas que fila, não acaba, nunca
segunda-feira, 6 de junho de 2016
sumário brasileiro
País com nome de madeira e dinheiro
Cor, temperatura e esperança de futuro
As fronteiras são erosões bem calculadas
É impossível te conhecer com os pés
Com a boca, então, nem se fala
Uma gonorreia adormecida em cada família
Os estupros te povoam e engrandecem
Nunca antes se disse tanto em língua portuguesa
E golpes de estados que mudam tudo continua o mesmo
Desertos povoados de flores brutas improváveis
Um quilômetro quadrado com a maior biodiversidade do planeta
Muros torturas meninos de rua declamam poemas
Fardas e firulas e forrós nulos caixa de som da madrugada
Dez entre dez terroristas e traficantes preferem teu passaporte
Um abismo de vantagens se abre à nossa frente
Não tem nada que não se pague com o riso e o crediário
Pátria do apesar
Um tsunami de açúcar ameaça afundar a ilha
Bocas abertas te esperam
Corações cariados te esperam
Cor, temperatura e esperança de futuro
As fronteiras são erosões bem calculadas
É impossível te conhecer com os pés
Com a boca, então, nem se fala
Uma gonorreia adormecida em cada família
Os estupros te povoam e engrandecem
Nunca antes se disse tanto em língua portuguesa
E golpes de estados que mudam tudo continua o mesmo
Desertos povoados de flores brutas improváveis
Um quilômetro quadrado com a maior biodiversidade do planeta
Muros torturas meninos de rua declamam poemas
Fardas e firulas e forrós nulos caixa de som da madrugada
Dez entre dez terroristas e traficantes preferem teu passaporte
Um abismo de vantagens se abre à nossa frente
Não tem nada que não se pague com o riso e o crediário
Pátria do apesar
Um tsunami de açúcar ameaça afundar a ilha
Bocas abertas te esperam
Corações cariados te esperam
os bichos, a gente e a morte
os animais sabem a morte o tempo todo
a gente pensa que é exclusividade nossa, bobagem
a gatinha parada no braço do sofá se repete
"tudo que eu vejo terá um fim", e o cachorro
quando descansa das brincadeiras
se diz "bom, acho que não morri ainda"
os pardais enquanto voam
desejam
que a morte venha depressa
"e que eu não sinta a queda"
ser humano, se desfaça
das suas ilusões de finitude
viver a morte
não é teu privilégio
a gente pensa que é exclusividade nossa, bobagem
a gatinha parada no braço do sofá se repete
"tudo que eu vejo terá um fim", e o cachorro
quando descansa das brincadeiras
se diz "bom, acho que não morri ainda"
os pardais enquanto voam
desejam
que a morte venha depressa
"e que eu não sinta a queda"
ser humano, se desfaça
das suas ilusões de finitude
viver a morte
não é teu privilégio
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