domingo, 30 de março de 2014

potencial de destruição em massa
guardado dentro do corpo
um espasmo que matasse num ônibus
pessoas acionadas na bomba

sociopata silencioso infectando
de aids dez homens por dia
sem registro uma década epidêmica
contra o sistema único de saúde

atirar no metrô lotado, quantas
pessoas derrubar nos trilhos
plantar pânico em cada consciência

do que é capaz a raça humana
existe algo disso em estar em silêncio
sozinho, no meu quarto, escrevendo?
toda vez que algo vermelho
e líquido escapa da minha pele
de cheiro ferrugem e coagula
uns instantes depois inofensivo

numa ferida pequena coçada
minha própria unha sem querer
uma picada de pernilongo ou então
um pesadelo acordo e me abri

no rosto embaixo do nariz
um talho no dente que me morde
enquanto como algo que gosto

digo olá pra células e vírus
de vida curta em contato com o ar
essa parte involuntária de mim

quinta-feira, 27 de março de 2014

PARTIR DE UM PONTO
QUALQUER NA RETA
A PASSO TORTO
ESPERA UM MARCO ZERO
DIZER AGORA
SIM
COMEÇA AQUI

Todo dia
O sol retorna
E diz meu chapa
Agora é hora
Não tem mais volta
Só eu que volto

Brilhante
Idêntico
Seguinte

Enquanto a gente
espera um marco
zero dizer
agora
sim começa
certo

perder
a ponte a passagem
e ter que seguir
cego até dar
de frente na parede ou cair
no buraco ou tropeçar no fio de náilon
estava lá no seu caminho
desde quando estiveste dormindo

ou seremos sonâmbulos?
Morre e acorda andando

caminhante
o caminho se faz
e será o bastante
caminhar? E será
um marco zero
o que no fim
encontraremos será
um começo?
E será perder-se
este corpo
traçado
em mim feito um mapa
içado em mim como bandeira
na areia perante

um deserto azul?

quinta-feira, 20 de março de 2014

que cada
madrugada traga
um cacófono uma
rima rica que desdiga
esse sono
sonso essa preguiça
de contar as novas

ovelhinhas
quero elas
lânguidas
labaredas
luxuriosas
lingerie de
lobo



segunda-feira, 17 de março de 2014

2001

vejo um monte de velhos barrigudos
editando garotos de guitarra
dedos de pus e ternos
no centro do mundo sem centro dinheiro
no caixa e crises
prédios explodem
tédio ejaculado
com manchas na camisa
comprada na promoção
pela minha mãe

domingo, 16 de março de 2014

sábado, 15 de março de 2014

se a vida fosse um cachorro
que rabo
abanaria pra dizer
bem-vindo ou
pegue aquele osso
e jogue-o pra mim se a vida
passar antipulgas levá-lo
em passeio à próxima praça
onde vizinhos reúnem suas vidas
e as põem pra brincar
umas cheiram
os cus das outras
mordem-se e ficam
de barriga
pra cima pra dizer
você é quem manda se a vida
me dissesse isso com a língua
dez palmos
pra fora da boca
eu a poria na coleira
e levaria de novo
pra casa?

sexta-feira, 14 de março de 2014

tóxico trivia

menino bonito
com câncer no ouvido
morre e vira
quimioterapia
na natureza
moço com aids
quanta química
eu tomo dará
depois de excretada
pro mundo pesadelos
como os que eu tenho
homem no sonho
pai morto de câncer
quanto tempo até
que
os cabelos caídos
atômicos cheguem
na matéria acordada
dos meus próprios ouvidos
NINGUÉM
PODE ACREDITAR
EM VOCÊ SE VOCÊ
MESMO
UM GATO CAI DO TELHADO
UMA CASA DE SETENTA ANDARES
PARALISA O GATO AS QUATRO
PATAS NINGUÉM PODE
ACREDITAR
EM VOCÊ SE
VOCÊ MESMO
UM GATO
UMA CASA
NINGUÉM

mais um dia na vida do nosso herói

UMA ESPINHA NA VIRILHA O BANCO
APERTA AS CONTAS O MATE
LAVADO INCONTINÊNCIA URETRA
ANAL O CORPO AO
CONTRÁRIO PUNHETA PAREDES
SEM SENTIDO
UM DISCO
DOS SMITHS
ACHADO
NA ESQUINA
TRÊS CERVEJAS
MAIS UM DIA
NA VIDA
DO NOSSO
INIMIGO

terça-feira, 11 de março de 2014

você virou
o nome que assinava
repetido em prateleiras
soletrado aos telefones
de livrarias subtítulo
de projetos de mestrado
rodapé nas planilhas
da editora credencial em
documentários malfeitos

segunda-feira, 10 de março de 2014

as últimas viagens
meu cachorro comeu
meus mapas molharam
num café na recoleta
enquanto a tv profetizava
um dilúvio logo à porta
a maior seca do século
em cidades opostas
os mesmos caminhos
diferentes só entre os pés
e a cabeça desde então
sonho só com isso
me espanta que tenha tanto
vento entre as montanhas e terra
em movimento e oceanos feitos
de superfície e profundeza
um monte de bichos dentro
as praias devolvendo
aos olhos água externa
salgada como a deles mesmos
nós sólidos até que a morte
mostre o solo sem movimento
oxigênio de outros vivos um ar
azul visto de fora no centro
um fogo desconhecido

nasce e soterra muita gente
lava laranja pedra noite fico
espantado com tanta coisa
que me parece tédio constante
grandiosos mesmos elementos
combinam-se e causam o que parece
cansaço acaso e um invisível
sopro feito de imperioso
inquieto fogo desconhecido
um sanduíche
de mortadela é o que se consegue
nos melhores dias de trabalho
não alimenta
como gostariam
os nutrólogos a minha mãe
um embutido
é o que me sinto
apertado no pão do trabalho
este que deus mandou fazer
com farinha enriquecida
com ferro
e ácido fólico e o diabo
deixou crescer
para que a gente
se amassasse
e se amasse
quando pudesse

sexta-feira, 7 de março de 2014

no hospital

se a cada edema
amputarem uma perna
o pinto ou quiserem
abrir a necrose do
pensamento
imagine
como estaríamos
amputadxs abertxs
desinchadxs mas
sem pernas
cada medo em um canto
do quarto
e saudáveis
as carniças
saudáveis

quarta-feira, 5 de março de 2014

não esqueça de
deixar na saída
a comida do cachorro
a roupa recolhida
as chaves no vaso
do véu de noiva
luz do corredor acesa
porta fechada pra rua
vazia
esquina esquecida
cidade passada
o trabalho cumprido
a caminho do nada
pessoas queridas
não esqueça de deixar
na saída

deus me livre

estive nos átrios
um desastre de automóveis
pôs-me à beira desta estrada
em que espero
uma carona
deus de braços
peludos de caminhoneiro
leva-me no rabo
de cometa
na boleia
de uma pedra
estrangeira incandescente
se desfaz no atrito
se entrar
na mucosa do planeta

deus
me livre de esperar
no acostamento do meu nome
essa carona que ainda não veio
assassinos de passagem
gentil homem que me leve
aonde não sei se
quero chegar

decomposto
quando o céu rejeite
meu corpo e chegue
à terra um punhado perdido
de moléculas que não
dirão
"a vida é movimento, e nada no movimento está ao abrigo do movimento"

(Bataille, O erotismo)

terça-feira, 4 de março de 2014

Desanimei do Apocalipse, os Quatro
Cavalheiros vieram em cortejo
beijar-me a mão levaram na garupa
eu em cada novo vestido
de cerimônia
de entrega
de um novo prazer para a Peste,
a Guerra, a Fome, a Morte

o primeiro foi meu pai
o segundo, meu irmão

Queridos eu sei
que vocês se esforçam pretendentes
mas lembrem-se vão
se os anéis ficam os dedos
comprei uma cama muito grande
com o meu próprio dinheiro
deito e quero
vocês e muitos mais
queridos cavalheiros
bichas lésbicas do apocalipse quero
vocês e muitos mais