quarta-feira, 24 de setembro de 2014

da mesma terra que é terra há tanto tempo
nasce um mamoeiro igual a outro mamoeiro
que dá mamões que eu não alcanço igual criança
no tempo em que as árvores eram grandes ainda são
precisava a vó avançar os dedos para a fruta
cortá-la e sem sementes dar aos netos com açúcar

as árvores crescem eu cresci menos a vó
e hoje ninguém alcança o doce verde
amadurecente e a gente vai apodrecendo
ao ver as frutas comidas à noite por morcegos

ó céu cuja gravidade puxa a fruta antes que caia
segure a queda da avó de cima da escada
e traga ambas a salvo, ela e a fruta,
açúcar de infância e fibra precisa na vida adulta

ó chão que transforma o mamão em massa sem doce
receba o veneno que eu tenho correndo na seiva
gentil me devolva ao momento nascente primeiro
da semente em altura em memória - em mamoeiro

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

não chama que ele vem

o fim do mundo o fim do mundo

mesmo sem carro, vem de trem
e se não tem, manda buscar
de cavalo ou de avião
os quatro marechais do ar
em meio à greve
ao piquete
fura o bolo
mata o piolho
e ele vem o fim do mundo

está aqui atrasado
pro trabalho pro salário
fim do mês e não desiste
de chamar o fim de tudo
ou de pensar nos comprimidos
no amor morto perdido
o fim do mundo o fim de tudo
ele vem ah ele vem
não chama

e vai chegar
derrubando tudo quanto
é prédio é ponto é parideira
pato rato trepadeira
ele vem é uma promessa
não chame incomode
o fim do mundo o fim do mundo
ele vem

terça-feira, 16 de setembro de 2014

minha mãe dizia
que o ovomaltine era caro e sempre
tinha sido

quando na infância dela os crocantes
se quebravam nos dentes
que formariam um dia os meus,
o mesmo leite
achocolatado correndo no peito
meu e da minha mãe

e os preços
flutuantes do mercado a inflação
financeira da marca guardada
feito um afeto independente
de brigas e salários e derivados do petróleo

apenas
em ocasiões especiais ou de auto
indulgência é que podemos
mascar o doce como se fosse
a vida uma infância
gostosa, marrom, diluída