faço
às pressas
um relatório sobre literatura
para um congresso de estudos literários
que se realizava numa cidade litorânea
entre as mais bonitas do planeta
e em nenhum momento fomos para a praia
as ondas revoltas
desenhadas por Hokusai comendo o Fuji
enfeitam minha parede sobre o calendário de outubro
tirando um sarro que o tempo passa
e só a praia é praia
mas mesmo a água
parada
é perigosa
será que estes momentos
burocráticos
curvado de cueca sobre a cama
vão se tornar a concha
em que
um dia
darei à luz
alguma pérola?
espíritos
dos artistas mortos não me deixem
por favor
sucumbir ao peso dos prédios
e das viaturas policiais
as sirenes amaldiçoam
na rodovia mais próxima
que o canto
mudo
maravilhoso
das sereias
me arraste
aonde eu nem sei
se
existe
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
domingo, 30 de outubro de 2016
the web is over
já disse
sobre o bicho
há muito morto
curtindo
cada post
engraçado
vi uma lesma
devorando
uma minhoca
e o resultado
do sufrágio
carioca
agora chega
facebook
desgraçado
o sonho é sábio
também sendo
aleatório
sobre o bicho
há muito morto
curtindo
cada post
engraçado
vi uma lesma
devorando
uma minhoca
e o resultado
do sufrágio
carioca
agora chega
desgraçado
o sonho é sábio
também sendo
aleatório
sábado, 29 de outubro de 2016
memória, práxis
não se faziam círculos de plástico
ou pistolas de bolas de sabão
dessas que agora
um homem vende no semáforo
meu avô cortava galhos verdes
do mamoeiro ou da mamoneira
(não lembro mais qual era)
e dava para a gente soprar fraco
mágica da água com detergente
as bolas saíam mais difícil
mas tão brilhantes e redondas quanto
essas que anunciam o produto no tráfego
meu avô morto há tanto tempo é a prova viva
de que não se vive para ver mais maravilhas
que as maravilhas que se vê em vida
ou pistolas de bolas de sabão
dessas que agora
um homem vende no semáforo
meu avô cortava galhos verdes
do mamoeiro ou da mamoneira
(não lembro mais qual era)
e dava para a gente soprar fraco
mágica da água com detergente
as bolas saíam mais difícil
mas tão brilhantes e redondas quanto
essas que anunciam o produto no tráfego
meu avô morto há tanto tempo é a prova viva
de que não se vive para ver mais maravilhas
que as maravilhas que se vê em vida
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
a dor nos gânglios me lembra
a professora ensinando que a linfa
é um líquido entre o leitoso e o transparente
correndo paralelo a todo o resto canos próprios
achei linda essa palavra: gânglios
e decorei ela mesmo duvidando
que o meu corpo tivesse algo tão fisicamente
como o que sinto vago e à espreita desde sempre
molhado deus tipo pré-sêmen
sistema de defesa à beira-câncer
verdade ofuscada pelo sangue
alma delicada e fugidia
de herpes e de medo escondida
em dor, indizível, na virilha
a professora ensinando que a linfa
é um líquido entre o leitoso e o transparente
correndo paralelo a todo o resto canos próprios
achei linda essa palavra: gânglios
e decorei ela mesmo duvidando
que o meu corpo tivesse algo tão fisicamente
como o que sinto vago e à espreita desde sempre
molhado deus tipo pré-sêmen
sistema de defesa à beira-câncer
verdade ofuscada pelo sangue
alma delicada e fugidia
de herpes e de medo escondida
em dor, indizível, na virilha
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
cantiga de ninar
a chuva o céu
as pilhas de papel
já estavam
e vão continuar
caindo nem que
bem longe daqui
precisem
se refugiar
não tenha, meu bem
medo do futuro
pois algo
sempre há de vir
mole ou duro
tédio ou inseguro
andando e rebolando
para ti
as pilhas de papel
já estavam
e vão continuar
caindo nem que
bem longe daqui
precisem
se refugiar
não tenha, meu bem
medo do futuro
pois algo
sempre há de vir
mole ou duro
tédio ou inseguro
andando e rebolando
para ti
terça-feira, 11 de outubro de 2016
o ânimo
de fazer um tríptico
épico
de longínquas distâncias
cadê
o nome
no mármore
estátua atacada por moleques
queda
de braço da barbárie
bem
o nada
entrave das estrelas
reatores nucleares no infinito
matéria imprevisível
do tempo e do sonho e do
affe
cadê
o ânimo o nome o nada
na trave
dos trinta anos do ultraje
trabalhar um tríptico épico
que transforme tudo em estátua
atacada
por moleques
de fazer um tríptico
épico
de longínquas distâncias
cadê
o nome
no mármore
estátua atacada por moleques
queda
de braço da barbárie
bem
o nada
entrave das estrelas
reatores nucleares no infinito
matéria imprevisível
do tempo e do sonho e do
affe
cadê
o ânimo o nome o nada
na trave
dos trinta anos do ultraje
trabalhar um tríptico épico
que transforme tudo em estátua
atacada
por moleques
sábado, 1 de outubro de 2016
os cachorros estão no cio
línguas e demais genitais pra fora enchendo a casa de feromônios
minha amiga diz que sou teimoso porque não assino livros
tento escrever como fazia há dez anos e já não sei
sendo que naquela época já não sabia, escrever
essa ignorância posta em prática
fertilidade à revelia igual o cio dos meus cachorros castrados
continuo sem querer ser escritor
e não conseguindo
mas não se castra o desejo, isso aprendi
aguardo o momento em que a coisa, se fazendo, estará feita
o que eu queria mesmo é estar morta, enquanto isso
o clichê da Clarice tem sentido
o cachorro deita sobre os sacos plásticos
o outro chora porque a cadela se esconde sob a cadeira
quando ele vai embora, ela corre atrás
e lambe ele inteiro
morrer viver
palavras todas palavras poucas
como se escreve eu de pijama na cozinha suja
pesando nas coisas cercado por três cachorros
que agora dormem
como se escreve o horário passando
de ir à terapia falar de mim, que não me interesso
depois passear com medo e o namorado na principal avenida da cidade
e o céu se adensa sobre as nossas cabeças sem nenhum sinal de piedade
escritores que se matam, crentes que se matam
chefes de Estado e animais domésticos e emissão demasiada de carbono
como se escreve
o espírito inúmero difuso dos mortos
aquilo
que ninguém sabe se existe
ou se
não
línguas e demais genitais pra fora enchendo a casa de feromônios
minha amiga diz que sou teimoso porque não assino livros
tento escrever como fazia há dez anos e já não sei
sendo que naquela época já não sabia, escrever
essa ignorância posta em prática
fertilidade à revelia igual o cio dos meus cachorros castrados
continuo sem querer ser escritor
e não conseguindo
mas não se castra o desejo, isso aprendi
aguardo o momento em que a coisa, se fazendo, estará feita
o que eu queria mesmo é estar morta, enquanto isso
o clichê da Clarice tem sentido
o cachorro deita sobre os sacos plásticos
o outro chora porque a cadela se esconde sob a cadeira
quando ele vai embora, ela corre atrás
e lambe ele inteiro
morrer viver
palavras todas palavras poucas
como se escreve eu de pijama na cozinha suja
pesando nas coisas cercado por três cachorros
que agora dormem
como se escreve o horário passando
de ir à terapia falar de mim, que não me interesso
depois passear com medo e o namorado na principal avenida da cidade
e o céu se adensa sobre as nossas cabeças sem nenhum sinal de piedade
escritores que se matam, crentes que se matam
chefes de Estado e animais domésticos e emissão demasiada de carbono
como se escreve
o espírito inúmero difuso dos mortos
aquilo
que ninguém sabe se existe
ou se
não
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