terça-feira, 26 de setembro de 2017

every man must play a part and mine a sad one

é importante pagar os impostos
e morrer com as contas em dia

deixar boas memórias e um corpo
pra ser observado no velório

um nome também ajuda
a dar destino pra lápide

pros encontros dos colegas póstumos
e pra certidão de óbito

é importante viver plenamente
a morte agradece o seu esforço

e entre bocejos e aplausos
te arrasta pra fora do espetáculo

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

o cu largo da realidade

o cu largo da realidade
fistado dia a dia

ela é morna e frouxa
ela é suja e úmida

ela aperta
e abriga

e me suga


até
o cotovelo

domingo, 24 de setembro de 2017

faxina

tirei o limo do banheiro
não consigo esfregar o limo da alma
algo me diz que a alma não tem limo
e não tem alma

*

setembro nem me lembro
outubro ai que susto
novembro a rima é a mesma
dezembro e não termina o mundo

*

janeiro o ano inteiro
fevereiro, eiro, eiro
março sem abraço
abril o ano inteiro

*

passei cera no chão e vi um filme. mesmo assim, tudo segue pegajoso. amanhã é segunda-feira, mais cedo do que eu esperava. não tem rima nem remédio que salve. nem aliteração. renato russo no vídeo é mais jovem do que eu. tempo perdido.

*

"People always clap for the wrong things. If I were a piano player, I'd play it in the goddam closet."

(The Catcher in the Rye)

*

perseguir o texto errado. come chocolates pequena. fragmentos feios, didático do óbvio. e me esconder até sumir, sem medo. a próxima palavra é uma questão de espera. ela nunca nos pertence.

*

a palavra chega e limpa os pés no sofá. agora de novo a casa fica suja. a palavra peida durante o jantar. e tem um trabuco na cintura ninguém se atreva a bulir com ela. ela me mata um pouco a cada dia. eu sobrevivo porque tenho a saúde muito boa.

*

eu sou um desafio.

poema

guarda
a palavra
no escuro

ela quebra
e gera
estilhaços

que refletem
o que encontram
de luz mínima

e apagam
logo
que ela acaba

valeu
ter quebrado
a palavra

sábado, 23 de setembro de 2017

diário

a gente vive um tempo que não sabe. faz calor e o chão é uma ameaça. a qualquer momento tudo pode ruir ou se romper ou estourar. mas nada ocorre. aos poucos as pessoas vão ficando calmas. se olham e perguntam: então estamos vivos? e se matam. não todos, não ao mesmo tempo. a morte é um exercício. dois continentes de plástico se formam no oceano pacífico. as correntes marítimas são realidades tão distantes. um parente tem câncer, outro é atropelado, a vida: uma antessala. que vai dar em lugar nenhum, então aproveite. imenso e impiedoso agora. ricochete.

caverna

desconheço esses intestinos que trago dentro
são uma espera de correspondência
entre a minha mais tripa e os livros de anatomia

quem sabe tenho flores ou faíscas
no lugar de linguiça
quem sabe são serpentinas
minha fábrica de fezes

corpo pra que te quero
se não reconheço
agradeço
outro mistério

*

o escuro que trago dentro
pode ser luz
presa

o enjoo do pós-remédio
um barco
atlântico

a fome quando não como
um homem
incômodo

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

primavera

no asfalto mole as rolas flácidas
tolas ciscam o passado
e passam pelas moelas
as pedras duras do presente

que abandono de vigor nós vivemos
árvores, fuligem, azulejo
nascendo, nascendo, nascendo

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

compara

a vida dos gatos
é curta
e bastante

a vida das árvores
se mescla
à paisagem

a vida da gente
é que se
desequilibra

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

trajeto

sou grato ao acaso
um ônibus tem mais de quarenta lugares
não conheço nenhum de vocês
estatística e mistério são consortes
não sou grato a nada
num universo paralelo
bombas caem sobre a cidade
neste eu chego pro trabalho
vida é a espera da morte
pode ser que nem exista
o acaso
mas o ônibus segue
caminho traçado
eu desconheço

domingo, 17 de setembro de 2017

pega leve

sdds 2007
hoje escrever blogue é que nem máquina de escrever
ninguém consegue mais aquela urgência que a gente tinha
quando eu cheguei no google era tudo mato
nunca consegui sair da idade da internet discada
o download não completou
hoje temos muito em jogo
tecnologias de reconhecimento facial
e uma verruga de velha pendendo do nariz

ando gastando mais de mil reais por mês com saúde mental. white people problems. todas as coisas que possuo fui eu que comprei. em busca da vontade de viver. a literatura ficou pra trás. o futuro só deus sabe. em menos de um mês alcanço a idade de cristo. e isto é um registro pros arqueólogos vindouros. verão nossos pixels como nós a cerâmica dos antigos. nenhum nome resiste ao tempo. por isso o de deus não se diz.

mas é domingo como tantos que já passaram. deito com os meus livros e as roupas limpas que não vou guardar. sou tão anônimo quanto o meu vizinho, que também deve estar sofrendo, hoje ou qualquer dia. cada pessoa tem suas verrugas. em 2007 eu pesava uma pessoa a menos

sábado, 16 de setembro de 2017

o anti dia d

o mundo dá sinais de cansaço, bobagem
o mundo não dá sinais
nem ponteiros nem planetas deixam ver
o que está acontecendo
fósseis dormem tranquilos e nunca serão encontrados
tudo o que é vivo vai morrer
metralha verdades na parede do nada
quem sabe onde vamos chegar

e no entanto o corpo sua
com esse calor que se abate
dois mil e dezessete ano zero antropoceno
tufões nunca vistos pela espécie
nos põem pra suspirar

entre veias e artérias
circulam verbos que só se conjugam no infinitivo
no osso
sinto um poço
me afundando

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

nem morto nem tão vivo

naquele tempo eu não tinha medo de nada
nem me lamentava já tenho mais de trinta
e vivo num século sem força
fiz tudo antes do retorno de saturno
depois escrever virou um pêndulo
entediado sobre os abismos da morte

meu deus estamos presos no fracasso
a pessoa mais low profile que você vai conhecer
se esgueirando pelas saídas da História

abençoadas sejam as técnicas de sobrevivência
e o risco da morte que te atualiza
enquanto os impostos mastigam teu cadáver adiado
é festa a cada dia no incógnito do universo

não veremos nada disso valer a pena
meu pai morreu sem conhecer os netos
que, contudo, ainda não nasceram

venha, acaso, e me cubra
de progresso