quarta-feira, 30 de novembro de 2016

os palhaços assassinos

No fundo da mente
brilhando no escuro
entre balões de gás
e tigres maduros
moram palhaços
com ódio de tudo

que saem nas ruas
armados e atentos
com facas, machados,
e bastões de beisebol
querendo matar
quem vier pela frente

se você anda só
nas esquinas à noite
ou se perde em silêncio
nas esquinas da mente
de repente aparece
o palhaço feroz

sorrindo com dentes
de facas pontudas
e correndo estridente
às gargalhadas
atrás de você
enquanto os outros aplaudem

se você acredita
no perigo iminente
mil palhaços a mais
saem de trás dos arbustos
pra te matar
linchado ou de susto

se você duvida
de tudo isso
os palhaços voltam
àquele circo
pra esperar sua visita
pacientemente

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

espelho

os cachorros são indescritíveis
imperscrutáveis são inenarráveis

agora eles deitados
um só bicho horizontal
cada um
da ponta do rabo que eu não tenho
à ponta do focinho que me falta

e mesmo assim
tão melhores do que eu
que quando me deito pareço um míssil
um casulo mole uma lança morta
eles têm patas que desprendem
do cilindro afinado nas pontas e pendem
prontas
ossos que acabam em patas fofas

são irresumíveis, os cachorros
sempre a mesma espécie, mas
cada exemplar tão único
de formas e tamanhos diferentes
e a personalidade

um é o que eu diria melancólico
outro o que eu diria independente
o ansioso e o egocêntrico
tão diferentes entre si
e da gente

que também é indescritível
imperscrutável inenarrável irresumível
e talvez até mais interessante
quando se busca
nesse espelho
mamífero

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

sonho

sonhei com um cachorro
pequeno no meu colo
sem olhos

um tumor
áspero
crescido

comia-o pelo flanco
cachorrinho errado
chorando

mas olhos surgiam
fechados
em determinado momento

do sonho:
cílios
do nada

indicavam o esforço
do cachorro
de abri-los

mas quando conseguia
sangue era espirrado
pra todos os lados

dois globos escuros
molhados
de lágrima e ferida

brilhavam
e ele
ganindo, esperava

que eu
acordasse
pra morrer

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

a vontade
um pássaro raro
um rato assustado
eu agarro
o nada que ela deixa
e perco a sua imagem
na fuga a vontade
de novo aparece
na minha direção
rápida
ela sempre
foge

e o que sobra
e o que resta
desse escape
dessa praga
é esse movimento
de dedos desejosos
veludo batimento
cardíaco que reveste
me parece
esse pássaro
raro, esse rato
assustado

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

moeda de troca

sabem
os escritores
que são falidos
embora alguns
ganhem milhões
em direitos autorais
prêmios são herdeiros
de famílias milionárias
dilapidam
cada grão
do latifúndio
e secam o pomar
e deixam que o gado morra
de velhice
ou que se restitua ao selvagem
pouco a pouco
bezerro a bezerro
inutilizado
pro abate

muitos
é certo
passam fome
e alguns têm
mais do que precisam
em matéria de
comida
bebida
cadernos moleskine
quem disser
isso não importa
é um canalha

mas não é isso

uns
se matam
outros
escorregam no banheiro
batem a cabeça
e já era
ou têm câncer
passados os cem anos
todos
todos os escritores
invariavelmente
morrem

mas também não é isso

cada palavra
conseguida ao custo
de muito acaso
mesmo quando
é um sucesso
termina
em fracasso

que ofício
falido
esse nosso

não bastasse
não ter salário
morar em casa alugada
e mesmo isso
ser sorte
não bastasse
a conta no banco
que não fecha
tem essa outra
sem números
só letras
reluzindo
no vermelho
mais bonito
tão bonito
que eu jamais
desejaria

que fosse de outro jeito