sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

"O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar" Mateus, 24:35

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Desdobramentos da crise hídrica em São Paulo

Tivemos que aprender a lavar a calçada com cuspe. A tomar banho com cuspe. O corpo humano produz líquidos úteis. E não só ele. O sangue das pombas é muito útil. O número de pombas em São Paulo é algo impressionante. Coube muito bem às políticas públicas. A América do Sul é um jogo de dados. Nós vivemos o fim da era do acaso. No passado houve guerras causadas por disputas de águas, de batatas, de burcas. Especialistas afirmam que serão suspensas as atividades supérfluas. Há um aumento de atividades supérfluas. Ter mãe não importa. As igrejas enchem. As ruas enchem. Um exército de combate à seca. As ideias secam. Os ETs esperam. São Paulo em quinhentos anos uma colônia nova. O mundo é um deserto. Nós, um deserto. A Terra e seus sismógrafos. As extinções em massa são cíclicas. Os animais mais populosos do planeta. Do cemitério os dinossauros se desenterram e tomam o que era deles. A era do aguaceiro. Pedrinho aprendeu a não gritar "apocalipse".

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O último governador do planeta



O governador Geraldo Alckmin se viu sem roupas as mãos cobrindo as vergonhas na cara que ele não tinha e pensou o que estou fazendo aqui, era o último habitante da cidade de São Paulo, que de resto estava como sempre esteve, só que nada funcionava. As capivaras olhavam o governador tropeçar margem acima do Tietê alcançar a ciclovia vermelha e os pés pelados no asfalto e as capivaras voltaram a olhar o horizonte lixo. Geraldo Alckmin estava sozinho, sem helicópteros que o salvassem, sem seguranças sem shoppings fardados, é triste ser o último homem de São Paulo, mais triste ainda ser Geraldo Alckmin.

Com trinta e nove graus nas solas dos pés ele cruzou as avenidas a ardência na careca os testículos escondidos entre os dedos a educação católica não deixava ele sentir as coisas boas, o mormaço materno à rara sombra, o silêncio de milhares de quilômetros sem carros e sem pássaros nem crianças nem serpentes, pense senhor Geraldo Alckmin, se fosse o primeiro homem nesta terra há dois mil anos, quanto medo o senhor teria, quantas serpentes!

A vidraça foi quebrada com cocos no Bom Retiro e da loja popular ele pegou um short uma camisa e sandálias de borracha cuja procedência absolutamente nos escapa, tudo passa pela Amazônia, seringueiros, pau de arara? Multinacionais trabalho escravo análise de mercado? E elas seriam suficientes pra andar até o Palácio? E que teria acontecido com a cidade de São Paulo, catorze milhões de pessoas evaporadas e um governo desnudado inconsciente às margens do rio de pedra? O governador Geraldo Alckmin se perguntava muitas coisas, e de tanto murmurar ia ficando desidratado.

No Morumbi, já à noitinha, pulou portões caiu barranco e olhou espantado o céu escuro sem nuvens nem estrelas, o Palácio amarelado agora a seu alcance, mas que cansaço, o peito mais que ofegante, sua boca seca como a cabeça. Sabia que o cérebro flutua num líquido claro? O quente gostoso do piso do estacionamento amansava as suas costas. Ele quase adormecia quando três bombas de gás lacrimogêneo caíram ao seu lado.

sábado, 17 de janeiro de 2015

Os planos
vão sempre
ser incompletos
Mil anos de vida
e a vida
acabaria antes
Do
dia
seguinte
De que serve
a morte
a noite
De que serve
o dia
seguinte

Ser branco e de classe média e, tendo recebido um diagnóstico de depressão, participar de um protesto de rua no Brasil em 2015

Morrer
poder morrer
a qualquer momento

É o motivo
de estar vivo
todo o tempo

Quando a polícia
te dá bom dia
sem armamento

Correr com medo
poder correr
eu recomendo

domingo, 4 de janeiro de 2015

Eu
que tenho um número
necessário de costelas

me levanto
da cadeira
e esquento a comida na panela

enquanto
vinte moscas voam em volta
do lixinho em cima da pia

que faz dias
que não tiro
e um cachorro

ofega deitado no pano
com a cabeça dentro de um cone
pra não lamber a ferida do rabo

e outro cachorro
olha melancólico
a rua vazia em frente à casa

alugada
alguns milênios depois de inventada
a propriedade

e mais de quinhentos anos
após a chegada
dos portugueses invasores à costa brasileira

alguns milênios depois de inventada
por uma tribo de nômades no deserto
a história do primeiro homem

criado pelo único deus
que sobreviveu
aos milênios e à infância

protestante
mas antes
era o primeiro homem

desobediente
mas antes
nomeou todas as coisas

em língua
que não alcançou
essas moscas e cachorros cujos nomes

eu invento

Ó deus ó animais
que sobrevivem ao desfile
de homens

rumo ao fim
de tudo e de si
ajudem

a encontrar
novos começos
e palavras

que revelem os nomes
dos homens, ou seja,
de mim mesmo

que tenho
um número mais que necessário
de costelas no meu peito

e esquento
a comida na panela
enquanto

tantas moscas
pousam no lixinho
que eu não limpo

e os cachorros deitam
no domingo
melancólicos

Retrato do Panguá

Você é uma força
da natureza
marrom e sem espelho
morde indiferente
as meninas quando te veem
não dizem que você tem quinze quilos
primitivos
só enxergam o cachorro
fofo
que você é
não veem

seu espírito

jacaré

sábado, 3 de janeiro de 2015

quem está só em meio às dez mil coisas?

as dez mil coisas
são todas
muito
chatas
e infinitas
não deixam
a gente deixar
de existir

se você morre
logo as dez mil coisas
expulsam o vazio
desejado na morte
se você sonha
logo as dez mil coisas
são o sono e a vigília
e atormentam o esquecido
feito fantasmas
no sonho que você lembra
as dez mil coisas
se apresentam se ocultando

elas são todas muito
chatas e insistentes

se você diz
fora dez mil coisas
elas não atendem
se você diz
venham dez mil coisas
elas não atendem

no ano
de dois mil e quinze
as dez mil coisas
já viveram
dez mil anos
se você quer
que acabem
os anos
e as coisas
azar

tudo
os anos
e as coisas
é muito
presente