Eu
que tenho um número
necessário de costelas
me levanto
da cadeira
e esquento a comida na panela
enquanto
vinte moscas voam em volta
do lixinho em cima da pia
que faz dias
que não tiro
e um cachorro
ofega deitado no pano
com a cabeça dentro de um cone
pra não lamber a ferida do rabo
e outro cachorro
olha melancólico
a rua vazia em frente à casa
alugada
alguns milênios depois de inventada
a propriedade
e mais de quinhentos anos
após a chegada
dos portugueses invasores à costa brasileira
alguns milênios depois de inventada
por uma tribo de nômades no deserto
a história do primeiro homem
criado pelo único deus
que sobreviveu
aos milênios e à infância
protestante
mas antes
era o primeiro homem
desobediente
mas antes
nomeou todas as coisas
em língua
que não alcançou
essas moscas e cachorros cujos nomes
eu invento
Ó deus ó animais
que sobrevivem ao desfile
de homens
rumo ao fim
de tudo e de si
ajudem
a encontrar
novos começos
e palavras
que revelem os nomes
dos homens, ou seja,
de mim mesmo
que tenho
um número mais que necessário
de costelas no meu peito
e esquento
a comida na panela
enquanto
tantas moscas
pousam no lixinho
que eu não limpo
e os cachorros deitam
no domingo
melancólicos
Nenhum comentário:
Postar um comentário