domingo, 4 de janeiro de 2015

Eu
que tenho um número
necessário de costelas

me levanto
da cadeira
e esquento a comida na panela

enquanto
vinte moscas voam em volta
do lixinho em cima da pia

que faz dias
que não tiro
e um cachorro

ofega deitado no pano
com a cabeça dentro de um cone
pra não lamber a ferida do rabo

e outro cachorro
olha melancólico
a rua vazia em frente à casa

alugada
alguns milênios depois de inventada
a propriedade

e mais de quinhentos anos
após a chegada
dos portugueses invasores à costa brasileira

alguns milênios depois de inventada
por uma tribo de nômades no deserto
a história do primeiro homem

criado pelo único deus
que sobreviveu
aos milênios e à infância

protestante
mas antes
era o primeiro homem

desobediente
mas antes
nomeou todas as coisas

em língua
que não alcançou
essas moscas e cachorros cujos nomes

eu invento

Ó deus ó animais
que sobrevivem ao desfile
de homens

rumo ao fim
de tudo e de si
ajudem

a encontrar
novos começos
e palavras

que revelem os nomes
dos homens, ou seja,
de mim mesmo

que tenho
um número mais que necessário
de costelas no meu peito

e esquento
a comida na panela
enquanto

tantas moscas
pousam no lixinho
que eu não limpo

e os cachorros deitam
no domingo
melancólicos

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