segunda-feira, 11 de abril de 2016

quando morre uma
escritora um escritor
os anjos cochicham ih
lá vem mais uma mais
um, esses chegam cheios
de pompa e timidez perguntam
por deus e onde está a máquina
de escrever primordial os anjos
não aguentam mais ter que dizer
minha senhora meu senhor
aqui não tem nada dessas coisas nós sabemos
depois de tantos anos encharcando
papéis de tinta os dedos duros de tanto
digitar você se sente é
lógico
muito decepcionado decepcionada mas
entenda ninguém
nunca
jamais
te prometeu absolutamente nada e enquanto
na terra as editoras preparam
orelhas elogiosas e os jornalistas copiam
com esmero o press release
com dois comandos de teclado
a escritora o escritor ressuscitados
em fotos e suspiros e deus nos livre até
saraus pelos séculos e os séculos dos séculos
sussurram
poemas sem vida nos trabalhos de mesa espírita é que no céu
o monopólio das palavras está nas asas
dos anjinhos quando morre
uma escritora um escritor percebe
finalmente que as palavras
ruflam
míticas místicas abstratas
e não há deus nem nunca houve
uma máquina
de escrever
primordial

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