sexta-feira, 15 de abril de 2016

no fim
das contas
o que se escreve só interessa mesmo
a quem escreve e depois
por um acaso
muito imprevisível
ou talvez nem tanto
porque tem vestibulares e outras instituições
que direcionam os textos e os destinatários
a um mesmo destino

mas mesmo assim
é um acaso o que dita
que eu tenha me emocionado
com a morte do cachorro retirante
aos dezessete anos
e não com o casamento de fachada
no romance do Alencar
como a minha amiga Tayce

é que o que se escreve
no fim
das contas
só interessa mesmo
a quem escreve
e por acaso
só mesmo por um acaso
bem casual
a alguém que leia
mesmo que seja décadas
ou séculos
depois

então eu numa noite de insônia
posso ficar tranquilo
entre sílabas
estou muito bem acompanhado
pelo fantasma incerto
de um leitor desconhecido

eu
que me interesso a mim, de repente
também
interesso a ele

o mundo tem hoje mais de sete bilhões de pessoas

o texto
teso
une o telefone de latinhas
de achocolatado
que eu entrego a essa pessoa
num escuro sem tato

por aqui
a gente se fala
eu não escuto
a não ser
o eco
da minha letra

a recompensa que temos
olha só, que engraçado:

eu, me sentir Deus
que deve estar assim
lá na Eternidade
insone balbuciando numa lata
de achocolatado

você, saber que Deus
existe, nem que seja
assim torto, um Deus
talvez já morto, é muito mais
do que muita gente
jamais
vai encontrar

Nenhum comentário:

Postar um comentário