quinta-feira, 29 de setembro de 2016

daqui a quatro séculos
o que fica disto ainda
é mistério

se os traços de agrotóxico
Chernobyl e Fukushima
a cura do câncer

carbono catorze
um tempo em que se cria
na expansão do universo

o impeachment da Dilma
petróleo, GPS
quantos analistas políticos serão lembrados

as eleições do próximo domingo decidirão
que temas mais diremos
nos próximos quatro anos

mas não tem
eleição que defina
daqui a quatro séculos

o escritor congratula-se
dizendo que com certeza
lerão Vidas secas

se Shakespeare existe hoje
daqui a quatrocentos anos
quem sabe

as silhuetas de Brasília
e da bossa nova
seremos clássicos?

e o nome de quem
estará preso nas palavras
da língua futura?

trabalhar pra garantir
o esquecimento e a morte
terá recompensa?

e desta tarde gasta
pensando o impensável
vai restar algo?

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

tudo acabou antes que eu chegasse
bem-vindo após o fim, é assim

tem tantos ratos pelas ruas da cidade
interpelo perguntando onde foram
parar as onças capivaras mesmo os gatos
eles respondem de má vontade
sei lá

enquanto isso você tenta fazer algo que preste
assina os contratos do futuro inconteste
os ratos roem o futuro e tudo nele

não é culpa deles
caráter é destino, diz o astrólogo
melancólico eu olho a sujeira do rio que passa
e atravesso a vida a nada

como admiro esses pequenos mamíferos
sem indivíduo sem diploma sem cardápio
estrelas cinzas do chão de suas camadas

fios elétricos dançam presos
no céu da cidade o que existe era previsto
nos bueiros o que vem é sempre o mesmo

eduquemo-nos com aquilo que sobrevive
o entendimento um bicho sujo esperando
a hora certa de sair do esgoto sem ser morto

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

o século vinte foi embora
e deixou com a gente essas palavras
que a gente não sabe o que fazer

se eu digo xô palavras elas
não vão embora se eu digo
venham palavras elas não vêm

a própria noção de orfandade
é bem característica do século vinte
apesar de que não tinha internet

quando eu for contemporâneo
deste século há muito terei
morrido sem ter entendido nada

ó deus pra sempre morto me leve
pra um lugar onde não haja
calendário entendimento nem palavras

às pessoas do depois eu só desejo
melhor sorte ajustada ao seu tempo
certeza vocábulo século
vinte e dois

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

tem dia que é bom
tem dia que é ruim

primeiro um bombom
depois urubu

depois furta-cor
então resta-um

tem dia que é bom
tem dia que é ruim

um fora do tom
um de urucum

um dia marrom
um dia azul

às vezes sem som
às outras sem pum

tem dia que é bom
tem dia que é ruim

tem uns que têm deus
em cima do mundo

e outros ateus
a cada segundo

tem dia pastoso
tem dia felpudo

tem dia que é claro
tem dia que é escuro

tem dia trabalho
e noite com sono

às vezes eu quero
às vezes nem tanto

às vezes consigo
às vezes com canto

um dia eu paro
no outro instigo

tem dia boboca
tem dia amigo

tem dia que esqueço
que é só mais um

tem dia que eu vou
tem dia que eu fui

tem dia que tá
tem dia que intui

tem dia que é bom
tem dia que é ruim

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

as pessoas se matam também no campo
em vilas pacatas, se matam
olhando o mato e o céu
pendurado
no galho de uma árvore
o pescoço fechado
se tudo é lindo

na fronteira
fugindo da guerra
numa quarta-feira
eu entendo

mas com deus ao seu lado
e na conta bancária
em meio  ao banquete
as pessoas se matam

Desdobramentos da história do flautista de Hamelin

1. Os ratos voltaram. Agora a cidade só tem velhos arrependidos, nunca mais nasceu uma criança. Os ratos roem a pele dos moribundos que morrem aos pouquinhos, de hemorragia e de horror. Som de flauta alegre na distância.

2. O flautista continuou de vila em vila. Daqui eu expulso os cachorros: toca a música, com rabos abanando os bichos vão e se jogam no lago e se afogam. Depois que desisti de ganhar dinheiro com o meu talento, só acho graça. Na vila seguinte vou afogar os canhotos. Na outra, os flautistas.

3. Vilões enfurecidos perseguem o flautista, agarram ele. Costuram-lhe os lábios, cortam-lhe a língua, quebram com martelo seus dedos dos pés. Depois amarram quase morto no poste do centro da cidade e deixam o sol e os urubus fazerem o resto. É incrível como, se você fizer do jeito certo, o cadáver não fede. Curiosamente, nenhum rato chega perto.

4. A vila das crianças adolesce e fica adulta. Todos sabem tocar flauta. Uma vez por ano, fazem grande festa pra celebrar a fundação. O povoado cresce, vira um país, agora tem exército e programação televisiva no domingo. Os pequenos vão pra escola com um rato desenhado no broche. Um grande rato de ouro ocupa a praça principal em frente ao palácio do governo.

5. Dizem que nas noites de lua cheia você pode escutar o som da flauta assoprando no vento. Quem segue a melodia, sem querer igual sonâmbulo, acorda num cano de esgoto iluminado pelos reflexos dos raios do luar. Encontra à frente o flautista sentado num trono, crianças e ratos cantam e dançam ao redor. Se você não for rato nem criança, vai desejar morrer afogado antes que o resto aconteça.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

quero me lavar
mas a água é suja
e eu no banho
de saia justa
mais me sujo
que me lavo

tomara que surja
um sabão raro
de efeito mágico
de cheiro certo
que me tire
deste aperto

enquanto isso
eu me visto
de água imunda
e se me sujo
estou mais limpo
do que ela

então a limpo
e que assim seja

domingo, 11 de setembro de 2016

queimar as berinjelas comer elas
com o cu que acabou de se acabar receber
as fezes os amores que se podem fazer

olhar o sol no efeito sobre as coisas
nunca mais cortar as unhas as desculpas
não pedir além do roubo e do foda-se

que estranhas as óbvias vontades
que o nada me queira eu o quero

a vida uma palavra coincida
com algo que se possa dizer dela

domingo, 4 de setembro de 2016

#ForaTemer

(exercício em versinhos depois de ver que o ~governo~ teve a ~brilhante ideia~ de criar a hashtag "bora temer" pra se contrapor ao grito #FORATEMER)

MARQUETEIRO DO ~GOVERNO~:
Basta de temer!
Beabá agora:
biarticular
(bucéfalos, embora)
boas intenções
- e ba be bi bu bora!

 RESPOSTA RAZOÁVEL:
Não é assim, fofa,
feito mera gafe,
que vais fazer o fim
da hora do sifu.
Agora sem abafo
faz-se fé faz-se fiau
fumaça só aflora
- o fa fe fi fu FORA!

sábado, 3 de setembro de 2016

o desejo não coincide com as veias e artérias
sangue pulsando na inundação do dia
comecei a coagular no nascimento
agora essa gosma pouco à vontade

o problema não é você é o capitalismo
e o medo na uretra desde o início
um corpo composto basicamente de água
eu e o planeta, sozinhos no seco