1. Os ratos voltaram. Agora a cidade só tem velhos arrependidos, nunca mais nasceu uma criança. Os ratos roem a pele dos moribundos que morrem aos pouquinhos, de hemorragia e de horror. Som de flauta alegre na distância.
2. O flautista continuou de vila em vila. Daqui eu expulso os cachorros: toca a música, com rabos abanando os bichos vão e se jogam no lago e se afogam. Depois que desisti de ganhar dinheiro com o meu talento, só acho graça. Na vila seguinte vou afogar os canhotos. Na outra, os flautistas.
3. Vilões enfurecidos perseguem o flautista, agarram ele. Costuram-lhe os lábios, cortam-lhe a língua, quebram com martelo seus dedos dos pés. Depois amarram quase morto no poste do centro da cidade e deixam o sol e os urubus fazerem o resto. É incrível como, se você fizer do jeito certo, o cadáver não fede. Curiosamente, nenhum rato chega perto.
4. A vila das crianças adolesce e fica adulta. Todos sabem tocar flauta. Uma vez por ano, fazem grande festa pra celebrar a fundação. O povoado cresce, vira um país, agora tem exército e programação televisiva no domingo. Os pequenos vão pra escola com um rato desenhado no broche. Um grande rato de ouro ocupa a praça principal em frente ao palácio do governo.
5. Dizem que nas noites de lua cheia você pode escutar o som da flauta assoprando no vento. Quem segue a melodia, sem querer igual sonâmbulo, acorda num cano de esgoto iluminado pelos reflexos dos raios do luar. Encontra à frente o flautista sentado num trono, crianças e ratos cantam e dançam ao redor. Se você não for rato nem criança, vai desejar morrer afogado antes que o resto aconteça.
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