segunda-feira, 27 de março de 2017

eu e o medo

a cada momento
nasce um novo medo

ele me olha, medonho
e treme amedrontado

é que nem todos os filhotes: indefeso
e o mundo é dele

eu saio correndo e o medo vem atrás
me querendo

até que ele cresce
tanto que eu nem o vejo
e vai viver sozinho

o mundo é habitado
por medos emancipados

eu fico tranquilo
andando entre eles
não tenho mais susto

até que à frente
(até tinha esquecido!)
outro medo aparece

e a gente começa
tudo de novo

quarta-feira, 15 de março de 2017

os livros novos
estão ficando velhos

olha como essa página
cheirada em livraria agora há pouco
amarela

uns pontos de fungos
denunciam o trópico
o mau uso
as mudanças de casa em malas improvisadas

os livros são rápidos

enquanto meu ciático dá sinais de cansaço
enquanto as costas pedem alongamento periódico
enquanto a joanete cresce e me dá medo de estourar os sapatos

os livros
sem aviso
feito um retrato guardado na prateleira
adiantam a morte
indiferentemente
o pé
de café
do quintal
foi tomado
por uma planta
trepadeira de flores
roxas e gordas que se abrem
de manhã e se fecham à tarde

agora
ele pende sob o peso
dessa amiga e inimiga

à gravidade
ambas podem despencar
a qualquer momento

e as flores brancas do café
embaralhadas no lilás que empalidece
vão secar e apodrecer na chuva e no sol

que metáfora
óbvia
da vida