os aplicativos não conectam com ninguém.
você e você ficam se olhando, olhos nos olhos, através da câmera.
você é sempre uma versão de você. o seu desejo é quase sempre uma versão de você.
admirando a minha própria forma física fixa em pixels.
os aplicativos são um espelho d'água.
sábado, 27 de janeiro de 2018
terça-feira, 23 de janeiro de 2018
um nome nada singular
passada a vida
aos filhos às tarefas da cozinha
agora pinta quadros
dados como cria de gata
estradas de terra cercadas de flores
correm cavalos apenas imaginados
com pincéis sem jeito
anatomia falha
espalha sua obra assinada
um nome nada singular
quando termina outro bicho
bruto e belo querendo sair da tela
ao lado do saco de biscoitos
no silêncio da sala arrumada
sente o trote no peito
inspira a fumaça levantada
e abre passagem
para outra cavalgada
aos filhos às tarefas da cozinha
agora pinta quadros
dados como cria de gata
estradas de terra cercadas de flores
correm cavalos apenas imaginados
com pincéis sem jeito
anatomia falha
espalha sua obra assinada
um nome nada singular
quando termina outro bicho
bruto e belo querendo sair da tela
ao lado do saco de biscoitos
no silêncio da sala arrumada
sente o trote no peito
inspira a fumaça levantada
e abre passagem
para outra cavalgada
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
um fio separa lá daqui
ou uma parede de vidro
ou um muro de concreto
ou um oceano indiviso
ou aquela membrana morna
entre os músculos e os órgãos
entre o não e o verde vivo
um passo que não alcança
*
no final tudo tem fim
começo enquanto isso
um fio que separa o sim
e um corte que não descansa
amálgama de bobagens
com picos de importância
ou campos de capim
ou idas sem bagagem
*
ou rastros improváveis
de quem não fez viagem
ou cascos encobertos
de musgos imóveis
um fim me espera ao fim
paciente e autoritário
paterno como um delfim
filial feito um velório
ou uma parede de vidro
ou um muro de concreto
ou um oceano indiviso
ou aquela membrana morna
entre os músculos e os órgãos
entre o não e o verde vivo
um passo que não alcança
*
no final tudo tem fim
começo enquanto isso
um fio que separa o sim
e um corte que não descansa
amálgama de bobagens
com picos de importância
ou campos de capim
ou idas sem bagagem
*
ou rastros improváveis
de quem não fez viagem
ou cascos encobertos
de musgos imóveis
um fim me espera ao fim
paciente e autoritário
paterno como um delfim
filial feito um velório
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
insônia
uma companhia solitária une todas as pessoas insones do mundo
é muito diferente, eu sei, ter insônia no leito da rainha ou com a cabeça mal acomodada sobre as pedras. mas no fundo dos olhos abertos um mesmo assombro define a raça humana
quem foi a primeira pessoa que, ainda sem esse nome, estatelou na madrugada sem nenhum motivo além de um eco crescente na cabeça que badala: eu? nunca vamos saber. mas essa pessoa, ou quase, é tão eu quanto eu posso ser, agora às cinco da manhã, com medo de que o dia acorde sem que eu tenha ido dormir
o que nos une, um dna de ectoplasma, se você quiser, são esses gritos do silêncio, esse vácuo que ricocheteia na cabeça. é, em suma, o medo de não morrer: então o cansaço não vai me levar ao descanso? quando os olhos se fecham, é uma bênção tão abençoada que a gente nem consegue perceber
é muito diferente, eu sei, ter insônia no leito da rainha ou com a cabeça mal acomodada sobre as pedras. mas no fundo dos olhos abertos um mesmo assombro define a raça humana
quem foi a primeira pessoa que, ainda sem esse nome, estatelou na madrugada sem nenhum motivo além de um eco crescente na cabeça que badala: eu? nunca vamos saber. mas essa pessoa, ou quase, é tão eu quanto eu posso ser, agora às cinco da manhã, com medo de que o dia acorde sem que eu tenha ido dormir
o que nos une, um dna de ectoplasma, se você quiser, são esses gritos do silêncio, esse vácuo que ricocheteia na cabeça. é, em suma, o medo de não morrer: então o cansaço não vai me levar ao descanso? quando os olhos se fecham, é uma bênção tão abençoada que a gente nem consegue perceber
recuperação da adolescência
andando há tanto tempo
neste acostamento
nem parece
que as solas do sapato furaram
o sol sobre a cabeça
dá voltas em volta da terra
e ela
se move
pra asfalto nenhum botar defeito.
roda
de hamster
escada rolante
esteira
em que homens de regata e mulheres
de rabo de cavalo
correm imóveis
até a eternidade.
o tempo já passou
de andar sem rumo em estradas pavimentadas. agora
eu passeio
no informe
o destino
é certo
neste acostamento
nem parece
que as solas do sapato furaram
o sol sobre a cabeça
dá voltas em volta da terra
e ela
se move
pra asfalto nenhum botar defeito.
roda
de hamster
escada rolante
esteira
em que homens de regata e mulheres
de rabo de cavalo
correm imóveis
até a eternidade.
o tempo já passou
de andar sem rumo em estradas pavimentadas. agora
eu passeio
no informe
o destino
é certo
quando acabam as palavras da bolsa, o canguru precisa percorrer todo o deserto e mais alguns quilômetros em busca de novas palavras
alcançadas as orlas dos mares do continente e caminhadas em círculos contínuos vários anos, ele enfim se recorda de que vive numa ilha imensa mas ilha
a tristeza da percepção de finitude e de prisão se junta à alegria revigorante da beleza dos horizontes da austrália isolada
então o canguru volta para casa desertos adentro, com novas palavras fecundadas no seu bojo
alcançadas as orlas dos mares do continente e caminhadas em círculos contínuos vários anos, ele enfim se recorda de que vive numa ilha imensa mas ilha
a tristeza da percepção de finitude e de prisão se junta à alegria revigorante da beleza dos horizontes da austrália isolada
então o canguru volta para casa desertos adentro, com novas palavras fecundadas no seu bojo
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
o nosso problema
o nosso problema é de sensibilidade. porque o excesso de história, o de imagens e o de informação nos levaram a uma anestesia dos sentidos físicos e não físicos. a pornografia leva à incapacidade do orgasmo por meio da repetição sem pausa do orgasmo.
o desafio é vencer a compulsão e o cansaço e ao mesmo tempo viver entre as suas causas e os seus efeitos. porque ninguém aqui tem a capacidade de voltar a fazer pão com as próprias mãos, e os que têm só o fazem porque contam com faxineiras pra limpar a cozinha depois, e as faxineiras comem bolachas recheadas e vivem também no cansaço e na compulsão. os que podem prescindir disso pertencem à classe social dos canalhas e não devem ser invejados.
o nosso problema é encontrar novas zonas sensíveis enquanto nos afogamos no entulho. o planeta já foi pras cucuias. o desafio é sobreviver e, mais, aflorar. conseguir o gozo no lixo.
o desafio é vencer a compulsão e o cansaço e ao mesmo tempo viver entre as suas causas e os seus efeitos. porque ninguém aqui tem a capacidade de voltar a fazer pão com as próprias mãos, e os que têm só o fazem porque contam com faxineiras pra limpar a cozinha depois, e as faxineiras comem bolachas recheadas e vivem também no cansaço e na compulsão. os que podem prescindir disso pertencem à classe social dos canalhas e não devem ser invejados.
o nosso problema é encontrar novas zonas sensíveis enquanto nos afogamos no entulho. o planeta já foi pras cucuias. o desafio é sobreviver e, mais, aflorar. conseguir o gozo no lixo.
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
cada gripe ou joanete que arde
é um pouco de morte em meio ao combate
bem-vindo
fim dos dias
anunciado pelo horizonte
por uma brisa que passa
saudáveis de novo
voltamos a não perceber
a vida
que de todos os lados
ataca
impiedosa
perdidxs no campo entre os mortos
sem saber esperamos um novo vírus
uma nova enxaqueca inofensiva
bem-vinda
é um pouco de morte em meio ao combate
bem-vindo
fim dos dias
anunciado pelo horizonte
por uma brisa que passa
saudáveis de novo
voltamos a não perceber
a vida
que de todos os lados
ataca
impiedosa
perdidxs no campo entre os mortos
sem saber esperamos um novo vírus
uma nova enxaqueca inofensiva
bem-vinda
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