A fama percorre
os pelos marronzinhos do meu cachorro
em forma de pulgas invisíveis
para estas unhas que protegem
mal e mal
os dedos um deles inflamado
em contato constante com as teclas
e coça, coça, coça
*
meu cachorrinho
são dois
nenhum deles participa
do Zeitgeist que alguns dizem narcisista
curtindo a própria vista transformada em pixels
numa internet mal e mal
paga com a grana que o governo
me dá pra que eu mantenha a luta de classes
equilibrada como está
*
meus cachorrinhos
são muito conhecidos mesmo
pela meia dúzia de amigos que nunca veio
aqui em casa
pra ter a honra de serem mordidos
pelos dentes que se atrevem
a dar de ombros pra que as pessoas
gostem deles
*
fui de férias pra uma praia inóspita
mas cheia de cachorros que não eram meus
e fiz muitas amizades
um avulso entrou debaixo da minha mesa
e latia para o louco chato
que vinha cuspir nas minhas batatas
outro, grande e preto,
como a depressão segundo a OMS
se deitou do meu lado e se escorou
na minha anca chamuscada pelo Sol
e se coçava, eu pensando
deus queira que não seja sarna
mas como eu próprio tenho sarna,
pensei, se pegar a dele também,
passo pomada
*
são centenas de milhares de anos
é o que dizem
cachorros e humanos evoluindo
uns ao lado dos outros
por isso o olhar molhado dos caninos
provoca em nós um aumento da taxa de oxitocina
a mesma substância que as mães recentes têm no corpo
pra que não assassinem seus bebês
um bem-estar em relação ao outro
regulado por funções químicas
acho que por isso, no Instagram, meus cachorrinhos
recebem tantas curtidas
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