quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O peixe que nomeia
a minha cidade
nunca foi visto

pelas professoras que o traduziam
de ouvido
como peixe sem nome
de um rio abstrato

jundiá
se dizia
era uma espécie de bagre
abundante no í
qualquer água
que corre em qualquer língua
tupi

extinto
do rol das espécies esse peixe
nada solto
em cadernos escolares de crianças
elas mesmas um bagre preso
em números de registro e nomes próprios
daqui a pouco

em corpos inteligíveis
e traços de pertencimento de classe
todas as crianças dessa cidade
americana na linha do trópico de Capricórnio
levam o esquecimento desse peixe
e da língua desconhecida que o nomeia
em português na memória ou na carteira
de identidade que será usada

um dia
para o aquário da lei antiterrorismo
sob os olhares famintos da família
e dos colegas que em outros tempos matariam
todos os índios
e os peixes de um rio canalizado
vamos viver e destruir
que dos inimigos sobre só
a casca
de uma palavra

os espíritos dos peixes se acumulam
em cardume sobre as secas do sossego

e as crianças soletram o nome deles
no movimento rápido dos olhos

quando sonham
que voam

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