quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Um cheiro de pus e carne podre e material de limpeza em cada cômodo da casa, o nariz vai se acostumando e você também. Deitado na cama, ossos à mostra e feridas escondidas em cada dobra, algumas abertas, primavera, ele o jardim da morte, a gente, adubo em forma de pele gordura nos sonhos saber que dói cada minuto até que acabe, depois não sei. Ele grunhe um oi, um que bom que você veio se arrastando pela faringe, a boca. É um rasgo que todos os animais evoluíram. "Eu vou na cozinha", diz a mãe, a voz sempre embargada das mães, você cuida dele. Senta na beira da cama e pega com nojo a mão fria e suada entre as suas. Eu odeio a vida, eu odeio a morte. Os olhos assustados como os de um rato lento. Tem três anos a menos que você, parece ter a idade do seu pai, do seu avô, de todos os homens que viveram e morreram muito velhos. Que essa carne firme tão firme ceda e se dissolva em camas e caixões e na memória do esfíncter bruto, do pau duro suando vida a carne se enrijesça e assim continue, acumulando lágrimas e ócios e olhares vazios e vontades acumulando nada, essas flores dão frutos de nada, nada o futuro das plantas e do sexo e dos segundos ocos que o ponteiro deixa pra trás, nada e memória. Avesso ao vômito você se debruça e beija a boca imunda. Nega o café, o biscoito, se despede com pressa do apartamento, um cubo de nojo suspenso na cidade feita de esgoto e de gente que não se conhece. Chega na rua esperando vento, mas o ar está parado, e começa a andar ofegando de volta pra casa.

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