sábado, 1 de outubro de 2016

os cachorros estão no cio

línguas e demais genitais pra fora enchendo a casa de feromônios

minha amiga diz que sou teimoso porque não assino livros

tento escrever como fazia há dez anos e já não sei

sendo que naquela época já não sabia, escrever

essa ignorância posta em prática

fertilidade à revelia igual o cio dos meus cachorros castrados

continuo sem querer ser escritor

e não conseguindo

mas não se castra o desejo, isso aprendi

aguardo o momento em que a coisa, se fazendo, estará feita

o que eu queria mesmo é estar morta, enquanto isso

o clichê da Clarice tem sentido

o cachorro deita sobre os sacos plásticos

o outro chora porque a cadela se esconde sob a cadeira

quando ele vai embora, ela corre atrás

e lambe ele inteiro

morrer viver

palavras todas palavras poucas

como se escreve eu de pijama na cozinha suja

pesando nas coisas cercado por três cachorros

que agora dormem

como se escreve o horário passando

de ir à terapia falar de mim, que não me interesso

depois passear com medo e o namorado na principal avenida da cidade

e o céu se adensa sobre as nossas cabeças sem nenhum sinal de piedade

escritores que se matam, crentes que se matam

chefes de Estado e animais domésticos e emissão demasiada de carbono

como se escreve

o espírito inúmero difuso dos mortos

aquilo

que ninguém sabe se existe

ou se

não

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