os cachorros estão no cio
línguas e demais genitais pra fora enchendo a casa de feromônios
minha amiga diz que sou teimoso porque não assino livros
tento escrever como fazia há dez anos e já não sei
sendo que naquela época já não sabia, escrever
essa ignorância posta em prática
fertilidade à revelia igual o cio dos meus cachorros castrados
continuo sem querer ser escritor
e não conseguindo
mas não se castra o desejo, isso aprendi
aguardo o momento em que a coisa, se fazendo, estará feita
o que eu queria mesmo é estar morta, enquanto isso
o clichê da Clarice tem sentido
o cachorro deita sobre os sacos plásticos
o outro chora porque a cadela se esconde sob a cadeira
quando ele vai embora, ela corre atrás
e lambe ele inteiro
morrer viver
palavras todas palavras poucas
como se escreve eu de pijama na cozinha suja
pesando nas coisas cercado por três cachorros
que agora dormem
como se escreve o horário passando
de ir à terapia falar de mim, que não me interesso
depois passear com medo e o namorado na principal avenida da cidade
e o céu se adensa sobre as nossas cabeças sem nenhum sinal de piedade
escritores que se matam, crentes que se matam
chefes de Estado e animais domésticos e emissão demasiada de carbono
como se escreve
o espírito inúmero difuso dos mortos
aquilo
que ninguém sabe se existe
ou se
não
Nenhum comentário:
Postar um comentário