quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Argiloso

O quarto dono da empresa entra na suíte subterrânea e senta na poltrona de couro. "Continuamos esperando?" Cuspe na gravata pra limpar a mancha de geleia. Um complexo sistema de ventilação atravessa o centro do planeta e liga as antecâmaras da desgraça espalhadas por aí: filtro de ar, salão de jogos pras crianças, uma corrente no pescoço de cada faxineira. Quilômetros acima, seguindo por uma claraboia de chumbo e recolhimento, um gêiser de gás carbônico libera na lama os detritos aéreos dos donos da empresa.

*

Tinha tudo quanto é peixe no planeta. Hoje não tem mais. A presidenta Dilma está afogada em argila no centro do Palácio do Planalto. Os tecidos dos seres antes vivos começam a petrificar e depois eles fermentam e formam um combustível que daqui a milhões de anos uma raça de outro mundo vai descobrir e dizer: isso não nos serve. Nesse dia, os filhos dos filhos dos filhos etc. dos executivos vão se arrastar até a superfície, de pele evoluída, mucosa fina depois de tanto tempo no escuro. Os alienígenas vão olhar pra eles e sair de mansinho. Um vai dizer pro outro: eu, hein.

*

Cada culpado tem certidão de nascimento, nome e sobrenome, e cara de pau. Ninguém vê nada disso. Os peixes, por outro lado, não têm nada. Nem as casas, os cavalos, os caipiras mortos. O quarto dono da empresa descansa a cabeça no travesseiro de plumas e inspira o ar puro do bunker. Não tem abalo sísmico, justiça divina, revolta que o alcance. Vista do espaço, a Terra é um ponto marrom e monótono.

*

"Continuamos esperando?"

Os donos da empresa se olham entre si, depois voltam a olhar a tela. Fotos de satélite atualizadas por minuto mostram que é, pois é, não tem mais jeito. Um ponto verde, no entanto, se mantém no mar de lama, porque o relevo e os ventos e o acaso fazem dessas coisas. Eles se olham salivando. Um puxa o cordão que traz a cozinheira e nas mãos dela uma bandeja com iscas de peixe, dedos de meninos, mulheres vivas. O que os executivos comem? Onde vivem? Como se reproduzem? Como pode? Com a cabeça erguida, eles se olham e se desejam, polidamente:

Bom apetite.

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