sexta-feira, 29 de julho de 2016

alguém olha as praias no passado

o tempo
que eu tenho
não chega

à margem
outra
do mar

mal chega
à idade
da árvore

grande
o bastante
pra ser feita

barco:
eu morro
antes

sonhando
quais
serão as plantas

pessoas
comidas do outro
continente

pensando
quais
pesadelos

de dor
dirão aos meus netos
quem dera

vocês
não tivessem saído
da praia

aquela
em que seus avós
supuseram

o futuro
não valeu
essa pena

quem dera eu pudesse
nas outras praias
chegar

sem ter
o arrependimento de ter
chegado a esta

encontrar
o sonho
vai ser

o melhor motivo
pra dormir

quarta-feira, 27 de julho de 2016

rádio gagá



eu sentava sozinho
e via a luz
meu único amigo
naquele tempo
e tudo aquilo
que eu supus
vinha de dentro
do rádio

você nos deu
todos os astros
entre guerras sem deus
e batalhas no espaço
você nos fez rir
e nos fez chorar
com você eu sentia
que ia voar

então não se torne
só um ruído
só uma bengala
pra velhos meninos
que não estão
nem aí
nem tem ouvidos
pra ouvir

você viveu
o seu tempo
e ainda vai ter
o seu tempo

rádio

tudo o que há
é rádio gagá
é rádio bubu
é rádio blablá

rádio, e aí?
rádio, eu estou
aqui

nós vemos shows
nós vemos homens
nós vemos vídeos
por horas e horas
e quase não temos
que usar ouvidos
pra ouvir a música
que nós ouvimos

tomara que
você não se vá
que não nos deixe
sem ter o que amar
fique aqui
pra nos entreter
quando a gente não tiver
nada pra ver

você viveu
o seu tempo
e ainda vai ter
o seu tempo

rádio

cosmofonia

agradeço
a existência
de palavras

usadas
pelo avesso
raras

para dar
à tarde
de quarta

um sonho
quântico
um canto

mudo
de matéria
negra

astrofísica
música
metáfora

nós
e os buracos
cósmicos

mecanismos
que engolem
e expelem

tudo

segunda-feira, 18 de julho de 2016

mapa do multiverso


na fronteira
do conhecido

sobe
um abismo
inescalável

membrana
de meleca
uma bolha

se veem
através dela
borboletas

carnívoras
de carne
inexistente

aguardam
o primeiro
que se atreva

depois delas
outras bolhas
de meleca

quicam
umas nas outras
e flutuam

sempre
que se chocam
essas bolhas

matam
inumeráveis
borboletas

e se sujam
da meleca
da outra

bolha
de meleca
marmórea

a fronteira
assim
se mistura

à fronteira
que não
era sua

as borboletas
carnívoras
famintas

assistem
um universo
sem fronteiras

domingo, 17 de julho de 2016

hétero pero no mucho

1

que duro
é o teu pinto duro
quando se cura
dessa secura


2

no meio
da mãe dos teus filhos
aquele cheiro
de macho sabido

se chega bem perto
é quase possível
ouvir o gemido
do macho desperto

aí a tua língua
mergulha nela
nadando no nó
entre macho e donzela


3

cangote
um convescote

os pelos confundem
mais que os da bunda

pessoa é pessoa
doa a quem doa

pode entrar
ninguém vai notar


4

macho
discreto
fora do meio

deseja no meio
ereto
facho

acho
incerto
tanto receio

venha a que veio
direto
embaixo

sábado, 16 de julho de 2016

rondó dedado

gato se acaso
vc tem um alaúde
e por isso os dedos fortes
mais que todo transeunte
que um dia me dedou
devagar ou mesmo rude
pode vir pro meu local
vem depressa, não me ilude
não me importa a sua cara
tanto faz, não me confunde
peso altura ou piroca
nem precisa mandar nude
o duro pulso do acaso vai dando lugar
pro músculo mole e macio - nem por isso

não quero querê-lo - pelo contrário -
encontro o que quero no sono entre as pernas

almofada - mucosa - convite de pérolas -
fluindo da flor - fechada - em caralho

- aberta - ela treme - em chão movediço -
e em contato - comigo - poliniza - o lugar
tudo o que sabíamos estava equivocado eis que agora
o que sabemos se alevanta um novo valor mais alto
eis que este tampouco nos importa e mais agora
antes que termine esta frase outro saber surge imponente
e tudo o que sabemos se descarta novo movimento

edifícios do saber vão se erigindo
desabam mal atingem a altura que parecia impossível
seus destroços caem em forma de novo prédio
um cachorro assiste a tudo a distância
se espanta por um tempo depois dorme e sonha
com afagos gatos fugindo coisas gostosas

sexta-feira, 15 de julho de 2016

vejo na tela do computador um vídeo de alguém que viu
uma baleia emergir devagar do mar azul
a luz do sol atinge até trinta metros de profundidade
abaixo o que a baleia vê e vai ficando
uma noite que não conhece o seco

crateras e rochas nas profundezas abissais
bichos desconhecidos o centro do planeta
se esfriando do outro lado um japonês pode estar vendo
o mesmo vídeo dessa mesma baleia

e olha em volta
a cozinha com louça suja de comida japonesa
uma vontade reprimida
de ir no banheiro ainda não agora

vontade de ser esses bichos que se bastam
nos seus ambientes matam e morrem
sem esperar que aconteça
nada além do óbvio

segunda-feira, 11 de julho de 2016

diário de quando tudo já virou diário

a poeta morta de trinta anos atrás previu tudo o que estes últimos trinta anos seriam

calhou de eu viver nesse tempo e agora tenho a idade que ela tinha quando se matou

e pela primeira vez em trinta anos as janelas não me atraem

que farei

com estes dedos esta tendinite este talento todo jogado pelo ralo

da psicanálise e do desejo assalariado

intenção de concatenações lógicas que farei sem deus meu deus sem morte

sem a finalidade inovadora dos blogues

perdido o bonde da geração penso ufa dessa me safei

agora ando no acostamento pensando tomara que quando eu chegar em casa

haja casa

destroços de parede pisoteados por renascidos dinossauros

e ovos que estalem emocionados manhã sentido da vida

seja tudo uma janela

domingo, 10 de julho de 2016

é tipo tocar piano mas uma hora vc toca e o som sai desafinado

vc pensa merda de piano mas não é culpa do piano vai ver e ta tudo certo com ele

é o seu dedo mas como é possível até dois minutos atrás eu tocava lindo saía tudo

lindo, sonata noturno sei lá que porra eu não toco piano

aí vc fica tocando triste feio pensando que bosta o piano a minha vida nunca mais vou produzir música melhor é morrer logo

aí se vc não morre continua tocando até que uma hora de repente AH! saiu uma sonata um concerto o caralho

aí vc fica feliz e pensa ufa e pensa yeah e toca toca toca

é tipo isso só que não tão fácil quanto parece

quinta-feira, 7 de julho de 2016

o tecido social

quem sou eu pra ficar costurando buracos?

estudar o surgimento dos estudos demográficos etc.

o presidente do brasil é um homem acovardado dentro do próprio terno

hordas de bárbaros fogem rumo ao passado

uma capa vermelha e um voo pra parar o movimento do planeta

e no entanto sem tudo isso eu lá teria esses livros que gosto tanto?

wi-fi paredes três cachorros sujando meu quintal

um quintal

sou um homem acovardado dentro do terno do presidente do brasil

os fantasmas das serpentes extintas se enrolam com raiva muda no meu perispírito

o universo é uma paca semiviva sendo deglutida

na primeira extremidade de uma jiboia grande, imperscrutável

segunda-feira, 4 de julho de 2016

tudo o que se escreve
o que se canta o que se dança não adianta

onze mil pessoas
marcharam em toronto
três milhões e meio
pelas ruas de são paulo

se somos
dez por cento
de sete bilhões
no planeta
faça as contas:
não tem
regra de três
que te traga de volta

nem pronome
oblíquo átono
que sustente
tanto nome à revelia
em certidão de óbito

textos de luto
poemas fúnebres
foda-se

gritar
não esqueceremos
de vela na mão
nós esquecemos

pesquisadoras da mesma universidade em que você foi morto
encontraram oitenta e seis bilhões de neurônios no cérebro humano

bem menos
que os cem bilhões
que acreditávamos ter

tivéssemos
trilhões ou mais, talvez
soubéssemos dos assassinos
até a preferência
do almoço da família um dia antes
de abaixar as suas calças, de te dar
de bruços, de graça, pra noite, pra sempre

mães de todos os continentes choram filhos mortos
saturno mastiga a gente antes do futebol de sábado
no sábado encontrarei amigos e seu nome passará

entre uma mordida e outra
a língua desvia-se dos dentes

ninguém te soletra no entretempo

estatísticas tecem a rede que prende
o anjo que olha as ruínas do foda-se
outras letras com seus nomes vão morrendo
que nem os neurônios

com o tempo

eles não se regeneram

temporada de caça sempre aberta

no escuro os viados se encontram nos campos

pululam a última da lady gaga

e quando se tocam a luz que sai do corpo

deixa a gente exposta acende várias lâmpadas

o nome disso tudo não tem nome

chama sinapse fluorescência

diego vieira machado

etc.