Teve aquele dia em que você acordou e desceu as escadas, de repente a casa tinha escadas. Tinha uma casa e ela era cheia de escadas. E, como se não bastasse, quando chegou na mesa do café lá estava: a sua mãe, preparando o seu café. Ao lado dela, a sua mãe lia o jornal, enquanto, de costas pra todo mundo, a sua mãe molhava as plantas do batente da janela. Três vezes a sua mãe, bom dia. Você esfregou os olhos e continuou vendo a mesma coisa, então resolveu ir até o banheiro lavar o rosto: subiu escadas, um número materno de degraus. E o espelho do banheiro é só sinceridade: lá estava, te olhando com espanto mal disfarçado numa máscara de amor, o rosto da sua mãe.
Correndo pela ruas, caindo e subindo de volta na bicicleta, a sua mãe dirigia ônibus, pedia esmolas, andava altiva e distraída com um cassetete na cintura. E servia mesas nos restaurantes, andava de mãos dadas com a sua mãe em uniforme de escola. Você pedala, o mais rápido que pode, entre as buzinas e de olhos fechados, e consegue o corpo exausto, sedento, faminto, chegar a um resto de floresta, está mais pra mato, depois do fim da cidade e da periferia dela. Você sentiu o chão se arremessando sem piedade contra o seu corpo assim que as pernas amoleceram e a bicicleta perdeu o fôlego. Tremendo de frio, de medo, de cansaço?, você viu a luz do Sol piscar entre as folhas que o vento brincava. Uma brisa fresca e um planeta seguro. Você suspira, leva a mão à barriga e mastiga um grito. Lá dentro, no escuro e sem rosto, alguma coisa mexe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário