quarta-feira, 29 de junho de 2016

autorretrato

Recebo do mundo oxigênio e seus venenos
a herança está estilhaçada em todas as partes
há cinquenta anos eu nem era nascido e recebemos as primeiras fotos do planeta vindas lá de fora
essa esfera azul marmórea vai se distanciando a cada dia que passa
não sei se fico mais sozinho ou acompanhado quando acompanho esse movimento
bebo leite que muito provavelmente tem coágulos de pus de vaca oculta em matadouro
vou vivendo esquecido de que também sou um mamífero

mas gostaria de dar tetas fartas e ninhos pra todas as crianças que dormem nas ruas
pobre daquele que se esquece que existem crianças dormindo nas ruas

nosso autorretrato na sonda Voyager 1 no ano arbitrário de mil novecentos e noventa
o chamamos de pálido ponto azul
é nossa esperança
e Carl Sagan já disse melhor do que direi
que tudo tudo tudo que existe e existiu está ali, aqui
neste grão de pó suspenso num raio de sol

devolvo ao mundo gás carbônico, fezes, urina
e a insistência na lembrança dessa cor longínqua:
o azul

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