espalho veneno na minha pele
pra espantar os animais que me querem
uma forma fundamental de vigília
negarmo-nos como almoço dos outros
ingiro anualmente litros de agrotóxico
na mesma esperança de não virar comida
que tal se nos deixarmos sem cuidado
como bichos e minérios, como musgos?
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
domingo, 18 de dezembro de 2016
domingo
o cachorro lambe as feridas na garagem
via streaming tudo é tão mais fácil
este é um dos muitos domingos
passados com consciência do calendário
minhocas decompondo coisas no escuro
uma bola de fogo imperdoável lá no céu
tudo indiferente
e igualmente
importante para a vida no planeta
exploro meus próprios claros e escuros
são minhas feridas a vida a garagem
e quando passo pomada no pus do cachorro
falo com ele em palavras que ele não entende
tudo que quero
é que você dure
cachorro
com uma vida não tão dura
ele me olha grandes globos lacrimosos
depois vira as costas
deita longe
ele se morde o quanto pode
via streaming tudo é tão mais fácil
este é um dos muitos domingos
passados com consciência do calendário
minhocas decompondo coisas no escuro
uma bola de fogo imperdoável lá no céu
tudo indiferente
e igualmente
importante para a vida no planeta
exploro meus próprios claros e escuros
são minhas feridas a vida a garagem
e quando passo pomada no pus do cachorro
falo com ele em palavras que ele não entende
tudo que quero
é que você dure
cachorro
com uma vida não tão dura
ele me olha grandes globos lacrimosos
depois vira as costas
deita longe
ele se morde o quanto pode
segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
as antiaventuras de super-ninguém
sempre infeliz
com tudo que existe debaixo do seu nariz
o Super-Ninguém
atravessa os prédios e os tédios
em busca de aventuras
em sua companhia
seu fiel escudeiro
o Nada Cachorro
se coça e fareja
e se lambe o dia inteiro
que perigo
encontrará
nosso herói
nesta tarde de sol?
desce
do céu
uma nave!
é a nave
do Planeta Nada
de onde há cinco anos
o Super-Ninguém trouxe
seu fiel Nada Cachorro
quem poderá
ajudar
defender
o Planeta Terra
de semelhante invasão?
eis que
SUPER-NINGUÉM
e
NADA CACHORRO
surgem sorrateiros
no meio do caos
da multidão
seus superpoderes
são não ser nada
nem ninguém
nem pássaro e nem avião
Discretos Salvadores do Universo
a cidade
ruidosa como uma ferida
não percebe o perigo
dessa nave invisível
com seus superpoderes
Super-Ninguém
desafia os inimigos
para uma batalha
mas um raio de luz
sem aviso
cai sobre o Nada Cachorro
e o leva levitando
pro vácuo do espaço
Super-Ninguém
pula e chora
liga pra polícia
mas a polícia não dá bola
e nada detém
o recado alienígena
sozinho
derrotado
Super-Ninguém
se recolhe e junta forças
para a próxima batalha
com tudo que existe debaixo do seu nariz
o Super-Ninguém
atravessa os prédios e os tédios
em busca de aventuras
em sua companhia
seu fiel escudeiro
o Nada Cachorro
se coça e fareja
e se lambe o dia inteiro
que perigo
encontrará
nosso herói
nesta tarde de sol?
desce
do céu
uma nave!
é a nave
do Planeta Nada
de onde há cinco anos
o Super-Ninguém trouxe
seu fiel Nada Cachorro
quem poderá
ajudar
defender
o Planeta Terra
de semelhante invasão?
eis que
SUPER-NINGUÉM
e
NADA CACHORRO
surgem sorrateiros
no meio do caos
da multidão
seus superpoderes
são não ser nada
nem ninguém
nem pássaro e nem avião
Discretos Salvadores do Universo
a cidade
ruidosa como uma ferida
não percebe o perigo
dessa nave invisível
com seus superpoderes
Super-Ninguém
desafia os inimigos
para uma batalha
mas um raio de luz
sem aviso
cai sobre o Nada Cachorro
e o leva levitando
pro vácuo do espaço
Super-Ninguém
pula e chora
liga pra polícia
mas a polícia não dá bola
e nada detém
o recado alienígena
sozinho
derrotado
Super-Ninguém
se recolhe e junta forças
para a próxima batalha
domingo, 4 de dezembro de 2016
morreu o poeta ferreira gullar
na vida a gente só fica
aprendendo a viver
mastigar posar pra foto
cair e ficar de pé quando dá
e a melhor posição
pra dormir
quando a gente morre
todo mundo pega o nosso corpo
e faz o que for esperado
põe jornais embaixo do cadáver
vela e choro e enterra
o morto, seus aprendizados
no escuro em sossego
a matéria fervilha
e os vermes ensinam
agora a estar
de acordo com o nada
orgânico de tudo
aprendendo a viver
mastigar posar pra foto
cair e ficar de pé quando dá
e a melhor posição
pra dormir
quando a gente morre
todo mundo pega o nosso corpo
e faz o que for esperado
põe jornais embaixo do cadáver
vela e choro e enterra
o morto, seus aprendizados
no escuro em sossego
a matéria fervilha
e os vermes ensinam
agora a estar
de acordo com o nada
orgânico de tudo
sábado, 3 de dezembro de 2016
hóspede
que
apertada
e folgada
calada
na lava
da lábia
e molhada
só sim
sem não
aberta
colada
na calefação
parede
macia
que espasma
essa boca
te sirva
de casa
apertada
e folgada
calada
na lava
da lábia
e molhada
só sim
sem não
aberta
colada
na calefação
parede
macia
que espasma
essa boca
te sirva
de casa
sexta-feira, 2 de dezembro de 2016
enquanto os cachorros dormem nas tocas de madeira lixada
simulacros de casas bucólicas
azulejos e água sanitária meus ácaros
em maior número que todos os dias da minha vida
lençol que não se troca
o mundo é uma virilha
que bom
seus fungos suas assaduras
a pele que não se acostuma
ao toque do dedo estrangeiro e estremece
corpo inteiro aterro sanitário casa dos ratos da alma irmão burro
ninado na imundície e na satisfação melhor essa coceira
esse furúnculo que sente do que o nada
nunca sujo do que a ideia
asséptica de ascese espírito
com sua coceira
incoçável
simulacros de casas bucólicas
azulejos e água sanitária meus ácaros
em maior número que todos os dias da minha vida
lençol que não se troca
o mundo é uma virilha
que bom
seus fungos suas assaduras
a pele que não se acostuma
ao toque do dedo estrangeiro e estremece
corpo inteiro aterro sanitário casa dos ratos da alma irmão burro
ninado na imundície e na satisfação melhor essa coceira
esse furúnculo que sente do que o nada
nunca sujo do que a ideia
asséptica de ascese espírito
com sua coceira
incoçável
quinta-feira, 1 de dezembro de 2016
escrever sendo um corpo que dorme
já é a quinta ou quanta vez
que à beira do escuro
de mim durante o sono
penso em um verso, e logo
em outro
as palavras se encaixam perfeitas
mas o corpo
junto com a cabeça
não deixa
que eu me levante
acenda a luz, pegue o caderno
ou mesmo ligue o celular
e na luz do quarto escuro
escreva
essa beleza, essa fresta
de paraíso num relance
aberta
no fechado do meu inferno
então eu durmo
um pouco é só preguiça
outro tanto é só vontade
de nunca mais acordar
pras palavras amanhecidas
atrasadas
mas eu acordo
(até agora)
e quando acordo
não me lembro
do verso que se mostrou
em aleph pleno
penso
que adolescente
eu não perdia essas oportunidades
e varava a noite
em fúria
explorando cavernas em cadernos
já hoje
fico triste
de ter perdido o verbo
e me conformo
porque afinal
dormir era mesmo
mais preciso
mais eficaz
e mais legal
que à beira do escuro
de mim durante o sono
penso em um verso, e logo
em outro
as palavras se encaixam perfeitas
mas o corpo
junto com a cabeça
não deixa
que eu me levante
acenda a luz, pegue o caderno
ou mesmo ligue o celular
e na luz do quarto escuro
escreva
essa beleza, essa fresta
de paraíso num relance
aberta
no fechado do meu inferno
então eu durmo
um pouco é só preguiça
outro tanto é só vontade
de nunca mais acordar
pras palavras amanhecidas
atrasadas
mas eu acordo
(até agora)
e quando acordo
não me lembro
do verso que se mostrou
em aleph pleno
penso
que adolescente
eu não perdia essas oportunidades
e varava a noite
em fúria
explorando cavernas em cadernos
já hoje
fico triste
de ter perdido o verbo
e me conformo
porque afinal
dormir era mesmo
mais preciso
mais eficaz
e mais legal
quarta-feira, 30 de novembro de 2016
os palhaços assassinos
No fundo da mente
brilhando no escuro
entre balões de gás
e tigres maduros
moram palhaços
com ódio de tudo
que saem nas ruas
armados e atentos
com facas, machados,
e bastões de beisebol
querendo matar
quem vier pela frente
se você anda só
nas esquinas à noite
ou se perde em silêncio
nas esquinas da mente
de repente aparece
o palhaço feroz
sorrindo com dentes
de facas pontudas
e correndo estridente
às gargalhadas
atrás de você
enquanto os outros aplaudem
se você acredita
no perigo iminente
mil palhaços a mais
saem de trás dos arbustos
pra te matar
linchado ou de susto
se você duvida
de tudo isso
os palhaços voltam
àquele circo
pra esperar sua visita
pacientemente
brilhando no escuro
entre balões de gás
e tigres maduros
moram palhaços
com ódio de tudo
que saem nas ruas
armados e atentos
com facas, machados,
e bastões de beisebol
querendo matar
quem vier pela frente
se você anda só
nas esquinas à noite
ou se perde em silêncio
nas esquinas da mente
de repente aparece
o palhaço feroz
sorrindo com dentes
de facas pontudas
e correndo estridente
às gargalhadas
atrás de você
enquanto os outros aplaudem
se você acredita
no perigo iminente
mil palhaços a mais
saem de trás dos arbustos
pra te matar
linchado ou de susto
se você duvida
de tudo isso
os palhaços voltam
àquele circo
pra esperar sua visita
pacientemente
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
espelho
os cachorros são indescritíveis
imperscrutáveis são inenarráveis
agora eles deitados
um só bicho horizontal
cada um
da ponta do rabo que eu não tenho
à ponta do focinho que me falta
e mesmo assim
tão melhores do que eu
que quando me deito pareço um míssil
um casulo mole uma lança morta
eles têm patas que desprendem
do cilindro afinado nas pontas e pendem
prontas
ossos que acabam em patas fofas
são irresumíveis, os cachorros
sempre a mesma espécie, mas
cada exemplar tão único
de formas e tamanhos diferentes
e a personalidade
um é o que eu diria melancólico
outro o que eu diria independente
o ansioso e o egocêntrico
tão diferentes entre si
e da gente
que também é indescritível
imperscrutável inenarrável irresumível
e talvez até mais interessante
quando se busca
nesse espelho
mamífero
imperscrutáveis são inenarráveis
agora eles deitados
um só bicho horizontal
cada um
da ponta do rabo que eu não tenho
à ponta do focinho que me falta
e mesmo assim
tão melhores do que eu
que quando me deito pareço um míssil
um casulo mole uma lança morta
eles têm patas que desprendem
do cilindro afinado nas pontas e pendem
prontas
ossos que acabam em patas fofas
são irresumíveis, os cachorros
sempre a mesma espécie, mas
cada exemplar tão único
de formas e tamanhos diferentes
e a personalidade
um é o que eu diria melancólico
outro o que eu diria independente
o ansioso e o egocêntrico
tão diferentes entre si
e da gente
que também é indescritível
imperscrutável inenarrável irresumível
e talvez até mais interessante
quando se busca
nesse espelho
mamífero
sexta-feira, 11 de novembro de 2016
sonho
sonhei com um cachorro
pequeno no meu colo
sem olhos
um tumor
áspero
crescido
comia-o pelo flanco
cachorrinho errado
chorando
mas olhos surgiam
fechados
em determinado momento
do sonho:
cílios
do nada
indicavam o esforço
do cachorro
de abri-los
mas quando conseguia
sangue era espirrado
pra todos os lados
dois globos escuros
molhados
de lágrima e ferida
brilhavam
e ele
ganindo, esperava
que eu
acordasse
pra morrer
pequeno no meu colo
sem olhos
um tumor
áspero
crescido
comia-o pelo flanco
cachorrinho errado
chorando
mas olhos surgiam
fechados
em determinado momento
do sonho:
cílios
do nada
indicavam o esforço
do cachorro
de abri-los
mas quando conseguia
sangue era espirrado
pra todos os lados
dois globos escuros
molhados
de lágrima e ferida
brilhavam
e ele
ganindo, esperava
que eu
acordasse
pra morrer
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
a vontade
um pássaro raro
um rato assustado
eu agarro
o nada que ela deixa
e perco a sua imagem
na fuga a vontade
de novo aparece
na minha direção
rápida
ela sempre
foge
e o que sobra
e o que resta
desse escape
dessa praga
é esse movimento
de dedos desejosos
veludo batimento
cardíaco que reveste
me parece
esse pássaro
raro, esse rato
assustado
um pássaro raro
um rato assustado
eu agarro
o nada que ela deixa
e perco a sua imagem
na fuga a vontade
de novo aparece
na minha direção
rápida
ela sempre
foge
e o que sobra
e o que resta
desse escape
dessa praga
é esse movimento
de dedos desejosos
veludo batimento
cardíaco que reveste
me parece
esse pássaro
raro, esse rato
assustado
segunda-feira, 7 de novembro de 2016
moeda de troca
sabem
os escritores
que são falidos
embora alguns
ganhem milhões
em direitos autorais
prêmios são herdeiros
de famílias milionárias
dilapidam
cada grão
do latifúndio
e secam o pomar
e deixam que o gado morra
de velhice
ou que se restitua ao selvagem
pouco a pouco
bezerro a bezerro
inutilizado
pro abate
muitos
é certo
passam fome
e alguns têm
mais do que precisam
em matéria de
comida
bebida
cadernos moleskine
quem disser
isso não importa
é um canalha
mas não é isso
uns
se matam
outros
escorregam no banheiro
batem a cabeça
e já era
ou têm câncer
passados os cem anos
todos
todos os escritores
invariavelmente
morrem
mas também não é isso
cada palavra
conseguida ao custo
de muito acaso
mesmo quando
é um sucesso
termina
em fracasso
que ofício
falido
esse nosso
não bastasse
não ter salário
morar em casa alugada
e mesmo isso
ser sorte
não bastasse
a conta no banco
que não fecha
tem essa outra
sem números
só letras
reluzindo
no vermelho
mais bonito
tão bonito
que eu jamais
desejaria
que fosse de outro jeito
os escritores
que são falidos
embora alguns
ganhem milhões
em direitos autorais
prêmios são herdeiros
de famílias milionárias
dilapidam
cada grão
do latifúndio
e secam o pomar
e deixam que o gado morra
de velhice
ou que se restitua ao selvagem
pouco a pouco
bezerro a bezerro
inutilizado
pro abate
muitos
é certo
passam fome
e alguns têm
mais do que precisam
em matéria de
comida
bebida
cadernos moleskine
quem disser
isso não importa
é um canalha
mas não é isso
uns
se matam
outros
escorregam no banheiro
batem a cabeça
e já era
ou têm câncer
passados os cem anos
todos
todos os escritores
invariavelmente
morrem
mas também não é isso
cada palavra
conseguida ao custo
de muito acaso
mesmo quando
é um sucesso
termina
em fracasso
que ofício
falido
esse nosso
não bastasse
não ter salário
morar em casa alugada
e mesmo isso
ser sorte
não bastasse
a conta no banco
que não fecha
tem essa outra
sem números
só letras
reluzindo
no vermelho
mais bonito
tão bonito
que eu jamais
desejaria
que fosse de outro jeito
segunda-feira, 31 de outubro de 2016
a tempestade
faço
às pressas
um relatório sobre literatura
para um congresso de estudos literários
que se realizava numa cidade litorânea
entre as mais bonitas do planeta
e em nenhum momento fomos para a praia
as ondas revoltas
desenhadas por Hokusai comendo o Fuji
enfeitam minha parede sobre o calendário de outubro
tirando um sarro que o tempo passa
e só a praia é praia
mas mesmo a água
parada
é perigosa
será que estes momentos
burocráticos
curvado de cueca sobre a cama
vão se tornar a concha
em que
um dia
darei à luz
alguma pérola?
espíritos
dos artistas mortos não me deixem
por favor
sucumbir ao peso dos prédios
e das viaturas policiais
as sirenes amaldiçoam
na rodovia mais próxima
que o canto
mudo
maravilhoso
das sereias
me arraste
aonde eu nem sei
se
existe
às pressas
um relatório sobre literatura
para um congresso de estudos literários
que se realizava numa cidade litorânea
entre as mais bonitas do planeta
e em nenhum momento fomos para a praia
as ondas revoltas
desenhadas por Hokusai comendo o Fuji
enfeitam minha parede sobre o calendário de outubro
tirando um sarro que o tempo passa
e só a praia é praia
mas mesmo a água
parada
é perigosa
será que estes momentos
burocráticos
curvado de cueca sobre a cama
vão se tornar a concha
em que
um dia
darei à luz
alguma pérola?
espíritos
dos artistas mortos não me deixem
por favor
sucumbir ao peso dos prédios
e das viaturas policiais
as sirenes amaldiçoam
na rodovia mais próxima
que o canto
mudo
maravilhoso
das sereias
me arraste
aonde eu nem sei
se
existe
domingo, 30 de outubro de 2016
the web is over
já disse
sobre o bicho
há muito morto
curtindo
cada post
engraçado
vi uma lesma
devorando
uma minhoca
e o resultado
do sufrágio
carioca
agora chega
facebook
desgraçado
o sonho é sábio
também sendo
aleatório
sobre o bicho
há muito morto
curtindo
cada post
engraçado
vi uma lesma
devorando
uma minhoca
e o resultado
do sufrágio
carioca
agora chega
desgraçado
o sonho é sábio
também sendo
aleatório
sábado, 29 de outubro de 2016
memória, práxis
não se faziam círculos de plástico
ou pistolas de bolas de sabão
dessas que agora
um homem vende no semáforo
meu avô cortava galhos verdes
do mamoeiro ou da mamoneira
(não lembro mais qual era)
e dava para a gente soprar fraco
mágica da água com detergente
as bolas saíam mais difícil
mas tão brilhantes e redondas quanto
essas que anunciam o produto no tráfego
meu avô morto há tanto tempo é a prova viva
de que não se vive para ver mais maravilhas
que as maravilhas que se vê em vida
ou pistolas de bolas de sabão
dessas que agora
um homem vende no semáforo
meu avô cortava galhos verdes
do mamoeiro ou da mamoneira
(não lembro mais qual era)
e dava para a gente soprar fraco
mágica da água com detergente
as bolas saíam mais difícil
mas tão brilhantes e redondas quanto
essas que anunciam o produto no tráfego
meu avô morto há tanto tempo é a prova viva
de que não se vive para ver mais maravilhas
que as maravilhas que se vê em vida
quarta-feira, 26 de outubro de 2016
a dor nos gânglios me lembra
a professora ensinando que a linfa
é um líquido entre o leitoso e o transparente
correndo paralelo a todo o resto canos próprios
achei linda essa palavra: gânglios
e decorei ela mesmo duvidando
que o meu corpo tivesse algo tão fisicamente
como o que sinto vago e à espreita desde sempre
molhado deus tipo pré-sêmen
sistema de defesa à beira-câncer
verdade ofuscada pelo sangue
alma delicada e fugidia
de herpes e de medo escondida
em dor, indizível, na virilha
a professora ensinando que a linfa
é um líquido entre o leitoso e o transparente
correndo paralelo a todo o resto canos próprios
achei linda essa palavra: gânglios
e decorei ela mesmo duvidando
que o meu corpo tivesse algo tão fisicamente
como o que sinto vago e à espreita desde sempre
molhado deus tipo pré-sêmen
sistema de defesa à beira-câncer
verdade ofuscada pelo sangue
alma delicada e fugidia
de herpes e de medo escondida
em dor, indizível, na virilha
sexta-feira, 21 de outubro de 2016
quinta-feira, 20 de outubro de 2016
cantiga de ninar
a chuva o céu
as pilhas de papel
já estavam
e vão continuar
caindo nem que
bem longe daqui
precisem
se refugiar
não tenha, meu bem
medo do futuro
pois algo
sempre há de vir
mole ou duro
tédio ou inseguro
andando e rebolando
para ti
as pilhas de papel
já estavam
e vão continuar
caindo nem que
bem longe daqui
precisem
se refugiar
não tenha, meu bem
medo do futuro
pois algo
sempre há de vir
mole ou duro
tédio ou inseguro
andando e rebolando
para ti
terça-feira, 11 de outubro de 2016
o ânimo
de fazer um tríptico
épico
de longínquas distâncias
cadê
o nome
no mármore
estátua atacada por moleques
queda
de braço da barbárie
bem
o nada
entrave das estrelas
reatores nucleares no infinito
matéria imprevisível
do tempo e do sonho e do
affe
cadê
o ânimo o nome o nada
na trave
dos trinta anos do ultraje
trabalhar um tríptico épico
que transforme tudo em estátua
atacada
por moleques
de fazer um tríptico
épico
de longínquas distâncias
cadê
o nome
no mármore
estátua atacada por moleques
queda
de braço da barbárie
bem
o nada
entrave das estrelas
reatores nucleares no infinito
matéria imprevisível
do tempo e do sonho e do
affe
cadê
o ânimo o nome o nada
na trave
dos trinta anos do ultraje
trabalhar um tríptico épico
que transforme tudo em estátua
atacada
por moleques
sábado, 1 de outubro de 2016
os cachorros estão no cio
línguas e demais genitais pra fora enchendo a casa de feromônios
minha amiga diz que sou teimoso porque não assino livros
tento escrever como fazia há dez anos e já não sei
sendo que naquela época já não sabia, escrever
essa ignorância posta em prática
fertilidade à revelia igual o cio dos meus cachorros castrados
continuo sem querer ser escritor
e não conseguindo
mas não se castra o desejo, isso aprendi
aguardo o momento em que a coisa, se fazendo, estará feita
o que eu queria mesmo é estar morta, enquanto isso
o clichê da Clarice tem sentido
o cachorro deita sobre os sacos plásticos
o outro chora porque a cadela se esconde sob a cadeira
quando ele vai embora, ela corre atrás
e lambe ele inteiro
morrer viver
palavras todas palavras poucas
como se escreve eu de pijama na cozinha suja
pesando nas coisas cercado por três cachorros
que agora dormem
como se escreve o horário passando
de ir à terapia falar de mim, que não me interesso
depois passear com medo e o namorado na principal avenida da cidade
e o céu se adensa sobre as nossas cabeças sem nenhum sinal de piedade
escritores que se matam, crentes que se matam
chefes de Estado e animais domésticos e emissão demasiada de carbono
como se escreve
o espírito inúmero difuso dos mortos
aquilo
que ninguém sabe se existe
ou se
não
línguas e demais genitais pra fora enchendo a casa de feromônios
minha amiga diz que sou teimoso porque não assino livros
tento escrever como fazia há dez anos e já não sei
sendo que naquela época já não sabia, escrever
essa ignorância posta em prática
fertilidade à revelia igual o cio dos meus cachorros castrados
continuo sem querer ser escritor
e não conseguindo
mas não se castra o desejo, isso aprendi
aguardo o momento em que a coisa, se fazendo, estará feita
o que eu queria mesmo é estar morta, enquanto isso
o clichê da Clarice tem sentido
o cachorro deita sobre os sacos plásticos
o outro chora porque a cadela se esconde sob a cadeira
quando ele vai embora, ela corre atrás
e lambe ele inteiro
morrer viver
palavras todas palavras poucas
como se escreve eu de pijama na cozinha suja
pesando nas coisas cercado por três cachorros
que agora dormem
como se escreve o horário passando
de ir à terapia falar de mim, que não me interesso
depois passear com medo e o namorado na principal avenida da cidade
e o céu se adensa sobre as nossas cabeças sem nenhum sinal de piedade
escritores que se matam, crentes que se matam
chefes de Estado e animais domésticos e emissão demasiada de carbono
como se escreve
o espírito inúmero difuso dos mortos
aquilo
que ninguém sabe se existe
ou se
não
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
daqui a quatro séculos
o que fica disto ainda
é mistério
se os traços de agrotóxico
Chernobyl e Fukushima
a cura do câncer
carbono catorze
um tempo em que se cria
na expansão do universo
o impeachment da Dilma
petróleo, GPS
quantos analistas políticos serão lembrados
as eleições do próximo domingo decidirão
que temas mais diremos
nos próximos quatro anos
mas não tem
eleição que defina
daqui a quatro séculos
o escritor congratula-se
dizendo que com certeza
lerão Vidas secas
se Shakespeare existe hoje
daqui a quatrocentos anos
quem sabe
as silhuetas de Brasília
e da bossa nova
seremos clássicos?
e o nome de quem
estará preso nas palavras
da língua futura?
trabalhar pra garantir
o esquecimento e a morte
terá recompensa?
e desta tarde gasta
pensando o impensável
vai restar algo?
o que fica disto ainda
é mistério
se os traços de agrotóxico
Chernobyl e Fukushima
a cura do câncer
carbono catorze
um tempo em que se cria
na expansão do universo
o impeachment da Dilma
petróleo, GPS
quantos analistas políticos serão lembrados
as eleições do próximo domingo decidirão
que temas mais diremos
nos próximos quatro anos
mas não tem
eleição que defina
daqui a quatro séculos
o escritor congratula-se
dizendo que com certeza
lerão Vidas secas
se Shakespeare existe hoje
daqui a quatrocentos anos
quem sabe
as silhuetas de Brasília
e da bossa nova
seremos clássicos?
e o nome de quem
estará preso nas palavras
da língua futura?
trabalhar pra garantir
o esquecimento e a morte
terá recompensa?
e desta tarde gasta
pensando o impensável
vai restar algo?
segunda-feira, 26 de setembro de 2016
tudo acabou antes que eu chegasse
bem-vindo após o fim, é assim
tem tantos ratos pelas ruas da cidade
interpelo perguntando onde foram
parar as onças capivaras mesmo os gatos
eles respondem de má vontade
sei lá
enquanto isso você tenta fazer algo que preste
assina os contratos do futuro inconteste
os ratos roem o futuro e tudo nele
não é culpa deles
caráter é destino, diz o astrólogo
melancólico eu olho a sujeira do rio que passa
e atravesso a vida a nada
como admiro esses pequenos mamíferos
sem indivíduo sem diploma sem cardápio
estrelas cinzas do chão de suas camadas
fios elétricos dançam presos
no céu da cidade o que existe era previsto
nos bueiros o que vem é sempre o mesmo
eduquemo-nos com aquilo que sobrevive
o entendimento um bicho sujo esperando
a hora certa de sair do esgoto sem ser morto
bem-vindo após o fim, é assim
tem tantos ratos pelas ruas da cidade
interpelo perguntando onde foram
parar as onças capivaras mesmo os gatos
eles respondem de má vontade
sei lá
enquanto isso você tenta fazer algo que preste
assina os contratos do futuro inconteste
os ratos roem o futuro e tudo nele
não é culpa deles
caráter é destino, diz o astrólogo
melancólico eu olho a sujeira do rio que passa
e atravesso a vida a nada
como admiro esses pequenos mamíferos
sem indivíduo sem diploma sem cardápio
estrelas cinzas do chão de suas camadas
fios elétricos dançam presos
no céu da cidade o que existe era previsto
nos bueiros o que vem é sempre o mesmo
eduquemo-nos com aquilo que sobrevive
o entendimento um bicho sujo esperando
a hora certa de sair do esgoto sem ser morto
sexta-feira, 16 de setembro de 2016
o século vinte foi embora
e deixou com a gente essas palavras
que a gente não sabe o que fazer
se eu digo xô palavras elas
não vão embora se eu digo
venham palavras elas não vêm
a própria noção de orfandade
é bem característica do século vinte
apesar de que não tinha internet
quando eu for contemporâneo
deste século há muito terei
morrido sem ter entendido nada
ó deus pra sempre morto me leve
pra um lugar onde não haja
calendário entendimento nem palavras
às pessoas do depois eu só desejo
melhor sorte ajustada ao seu tempo
certeza vocábulo século
vinte e dois
e deixou com a gente essas palavras
que a gente não sabe o que fazer
se eu digo xô palavras elas
não vão embora se eu digo
venham palavras elas não vêm
a própria noção de orfandade
é bem característica do século vinte
apesar de que não tinha internet
quando eu for contemporâneo
deste século há muito terei
morrido sem ter entendido nada
ó deus pra sempre morto me leve
pra um lugar onde não haja
calendário entendimento nem palavras
às pessoas do depois eu só desejo
melhor sorte ajustada ao seu tempo
certeza vocábulo século
vinte e dois
quinta-feira, 15 de setembro de 2016
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
primeiro um bombom
depois urubu
depois furta-cor
então resta-um
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
um fora do tom
um de urucum
um dia marrom
um dia azul
às vezes sem som
às outras sem pum
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
tem uns que têm deus
em cima do mundo
e outros ateus
a cada segundo
tem dia pastoso
tem dia felpudo
tem dia que é claro
tem dia que é escuro
tem dia trabalho
e noite com sono
às vezes eu quero
às vezes nem tanto
às vezes consigo
às vezes com canto
um dia eu paro
no outro instigo
tem dia boboca
tem dia amigo
tem dia que esqueço
que é só mais um
tem dia que eu vou
tem dia que eu fui
tem dia que tá
tem dia que intui
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
tem dia que é ruim
primeiro um bombom
depois urubu
depois furta-cor
então resta-um
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
um fora do tom
um de urucum
um dia marrom
um dia azul
às vezes sem som
às outras sem pum
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
tem uns que têm deus
em cima do mundo
e outros ateus
a cada segundo
tem dia pastoso
tem dia felpudo
tem dia que é claro
tem dia que é escuro
tem dia trabalho
e noite com sono
às vezes eu quero
às vezes nem tanto
às vezes consigo
às vezes com canto
um dia eu paro
no outro instigo
tem dia boboca
tem dia amigo
tem dia que esqueço
que é só mais um
tem dia que eu vou
tem dia que eu fui
tem dia que tá
tem dia que intui
tem dia que é bom
tem dia que é ruim
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Desdobramentos da história do flautista de Hamelin
1. Os ratos voltaram. Agora a cidade só tem velhos arrependidos, nunca mais nasceu uma criança. Os ratos roem a pele dos moribundos que morrem aos pouquinhos, de hemorragia e de horror. Som de flauta alegre na distância.
2. O flautista continuou de vila em vila. Daqui eu expulso os cachorros: toca a música, com rabos abanando os bichos vão e se jogam no lago e se afogam. Depois que desisti de ganhar dinheiro com o meu talento, só acho graça. Na vila seguinte vou afogar os canhotos. Na outra, os flautistas.
3. Vilões enfurecidos perseguem o flautista, agarram ele. Costuram-lhe os lábios, cortam-lhe a língua, quebram com martelo seus dedos dos pés. Depois amarram quase morto no poste do centro da cidade e deixam o sol e os urubus fazerem o resto. É incrível como, se você fizer do jeito certo, o cadáver não fede. Curiosamente, nenhum rato chega perto.
4. A vila das crianças adolesce e fica adulta. Todos sabem tocar flauta. Uma vez por ano, fazem grande festa pra celebrar a fundação. O povoado cresce, vira um país, agora tem exército e programação televisiva no domingo. Os pequenos vão pra escola com um rato desenhado no broche. Um grande rato de ouro ocupa a praça principal em frente ao palácio do governo.
5. Dizem que nas noites de lua cheia você pode escutar o som da flauta assoprando no vento. Quem segue a melodia, sem querer igual sonâmbulo, acorda num cano de esgoto iluminado pelos reflexos dos raios do luar. Encontra à frente o flautista sentado num trono, crianças e ratos cantam e dançam ao redor. Se você não for rato nem criança, vai desejar morrer afogado antes que o resto aconteça.
2. O flautista continuou de vila em vila. Daqui eu expulso os cachorros: toca a música, com rabos abanando os bichos vão e se jogam no lago e se afogam. Depois que desisti de ganhar dinheiro com o meu talento, só acho graça. Na vila seguinte vou afogar os canhotos. Na outra, os flautistas.
3. Vilões enfurecidos perseguem o flautista, agarram ele. Costuram-lhe os lábios, cortam-lhe a língua, quebram com martelo seus dedos dos pés. Depois amarram quase morto no poste do centro da cidade e deixam o sol e os urubus fazerem o resto. É incrível como, se você fizer do jeito certo, o cadáver não fede. Curiosamente, nenhum rato chega perto.
4. A vila das crianças adolesce e fica adulta. Todos sabem tocar flauta. Uma vez por ano, fazem grande festa pra celebrar a fundação. O povoado cresce, vira um país, agora tem exército e programação televisiva no domingo. Os pequenos vão pra escola com um rato desenhado no broche. Um grande rato de ouro ocupa a praça principal em frente ao palácio do governo.
5. Dizem que nas noites de lua cheia você pode escutar o som da flauta assoprando no vento. Quem segue a melodia, sem querer igual sonâmbulo, acorda num cano de esgoto iluminado pelos reflexos dos raios do luar. Encontra à frente o flautista sentado num trono, crianças e ratos cantam e dançam ao redor. Se você não for rato nem criança, vai desejar morrer afogado antes que o resto aconteça.
segunda-feira, 12 de setembro de 2016
quero me lavar
mas a água é suja
e eu no banho
de saia justa
mais me sujo
que me lavo
tomara que surja
um sabão raro
de efeito mágico
de cheiro certo
que me tire
deste aperto
enquanto isso
eu me visto
de água imunda
e se me sujo
estou mais limpo
do que ela
então a limpo
e que assim seja
mas a água é suja
e eu no banho
de saia justa
mais me sujo
que me lavo
tomara que surja
um sabão raro
de efeito mágico
de cheiro certo
que me tire
deste aperto
enquanto isso
eu me visto
de água imunda
e se me sujo
estou mais limpo
do que ela
então a limpo
e que assim seja
domingo, 11 de setembro de 2016
queimar as berinjelas comer elas
com o cu que acabou de se acabar receber
as fezes os amores que se podem fazer
olhar o sol no efeito sobre as coisas
nunca mais cortar as unhas as desculpas
não pedir além do roubo e do foda-se
que estranhas as óbvias vontades
que o nada me queira eu o quero
a vida uma palavra coincida
com algo que se possa dizer dela
com o cu que acabou de se acabar receber
as fezes os amores que se podem fazer
olhar o sol no efeito sobre as coisas
nunca mais cortar as unhas as desculpas
não pedir além do roubo e do foda-se
que estranhas as óbvias vontades
que o nada me queira eu o quero
a vida uma palavra coincida
com algo que se possa dizer dela
domingo, 4 de setembro de 2016
#ForaTemer
(exercício em versinhos depois de ver que o ~governo~ teve a ~brilhante ideia~ de criar a hashtag "bora temer" pra se contrapor ao grito #FORATEMER)
MARQUETEIRO DO ~GOVERNO~:
Basta de temer!
Beabá agora:
biarticular
(bucéfalos, embora)
boas intenções
- e ba be bi bu bora!
RESPOSTA RAZOÁVEL:
Não é assim, fofa,
feito mera gafe,
que vais fazer o fim
da hora do sifu.
Agora sem abafo
faz-se fé faz-se fiau
fumaça só aflora
- o fa fe fi fu FORA!
MARQUETEIRO DO ~GOVERNO~:
Basta de temer!
Beabá agora:
biarticular
(bucéfalos, embora)
boas intenções
- e ba be bi bu bora!
RESPOSTA RAZOÁVEL:
Não é assim, fofa,
feito mera gafe,
que vais fazer o fim
da hora do sifu.
Agora sem abafo
faz-se fé faz-se fiau
fumaça só aflora
- o fa fe fi fu FORA!
sábado, 3 de setembro de 2016
segunda-feira, 29 de agosto de 2016
impeachment
a presidenta do país de que tanto mal falei
eu queria que ela fosse minha amiga de bar
recuso todos os convites por falta de dinheiro
também porque prefiro ficar em casa pensando que preferia não estar vivo
a gente brinda quando esquece dos problemas
todo mundo vai ter câncer por causa de agrotóxico
quem diria este ano de dois mil e dezesseis
vai chegando ao seu final
sem nenhuma pretensão de alcançar
um dia além do trinta e um de dezembro
este ano é que nem eu
depois de tudo
vamos ser uns átomos desorganizados
e um suspiro que a memória
de alguém
solta enquanto pensa
no que gostaria de comer
presidenta quando você descer desse palanque
sabendo ser a única entre milhões de inelegíveis
se o rumo dos corpos tivesse sido outro
a gente brindaria de um jeito bem genérico:
saúde
eu queria que ela fosse minha amiga de bar
recuso todos os convites por falta de dinheiro
também porque prefiro ficar em casa pensando que preferia não estar vivo
a gente brinda quando esquece dos problemas
todo mundo vai ter câncer por causa de agrotóxico
quem diria este ano de dois mil e dezesseis
vai chegando ao seu final
sem nenhuma pretensão de alcançar
um dia além do trinta e um de dezembro
este ano é que nem eu
depois de tudo
vamos ser uns átomos desorganizados
e um suspiro que a memória
de alguém
solta enquanto pensa
no que gostaria de comer
presidenta quando você descer desse palanque
sabendo ser a única entre milhões de inelegíveis
se o rumo dos corpos tivesse sido outro
a gente brindaria de um jeito bem genérico:
saúde
sexta-feira, 26 de agosto de 2016
soneto do escritor bem-sucedido em seu jardim
sentado na garagem da casa que eu alugo
com meus dois cachorros sujos
roupas puídas chinelo furado
e um portão corroído de ferrugem
telefonando pra pedir dinheiro emprestado
fervendo água pro mate lavado
os livros empilhados no chão empoeirado
trinta anos e nenhum livro publicado
eu sou um sucesso
na longa linhagem de escritores que triunfam
no fracasso
pego com dedos leves as minhocas que tentam escapar
investigo a origem comum da alma dos animais e das estrelas
delicado e satisfeito devolvo elas pra terra
com meus dois cachorros sujos
roupas puídas chinelo furado
e um portão corroído de ferrugem
telefonando pra pedir dinheiro emprestado
fervendo água pro mate lavado
os livros empilhados no chão empoeirado
trinta anos e nenhum livro publicado
eu sou um sucesso
na longa linhagem de escritores que triunfam
no fracasso
pego com dedos leves as minhocas que tentam escapar
investigo a origem comum da alma dos animais e das estrelas
delicado e satisfeito devolvo elas pra terra
quinta-feira, 25 de agosto de 2016
segunda-feira, 15 de agosto de 2016
acordo e encontro
de novo o meu corpo
vivo, pedinte
um misto de estômago bexiga e intestinos conflitantes
as abelhas sobrevoam o jardim
o cachorro assovia por atenção
o que estava molhado em mim secou
enquanto você roncava sem eu perceber
cada pessoa é sozinha em seus sonhos e na hora que desperta
por isso os seus olhos escuros me trazem calma
quando eu acordo e encontro
de novo o meu corpo
e o seu, vivo, ao lado
de novo o meu corpo
vivo, pedinte
um misto de estômago bexiga e intestinos conflitantes
as abelhas sobrevoam o jardim
o cachorro assovia por atenção
o que estava molhado em mim secou
enquanto você roncava sem eu perceber
cada pessoa é sozinha em seus sonhos e na hora que desperta
por isso os seus olhos escuros me trazem calma
quando eu acordo e encontro
de novo o meu corpo
e o seu, vivo, ao lado
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
o pato bonito
no fundo do mato
do bosque esquisito
um ovo guardava
o pato bonito
a cobra que tinha
o estômago aflito
queria o ovo
igual pirulito
pulando pulando
com um faniquito
quase pisava
no ovo o cabrito
se ele pudesse
o pobre periquito
chocava o ovo
chupando um palmito
e quando nascesse
o pato bonito
ia achar muito feio
por não ser periquito
assustado voava
assustando o cabrito
e a cobra comia
sem querer o palmito
sobrava chocado
no bosque esquisito
o pato, coitado,
sozinho, acredito
mas sobrava contente
de não ser ovo frito
e de agora poder
contemplar o infinito
"o infinito é bonito
no bosque esquisito"
é o que disse, num grito,
o pato bonito.
do bosque esquisito
um ovo guardava
o pato bonito
a cobra que tinha
o estômago aflito
queria o ovo
igual pirulito
pulando pulando
com um faniquito
quase pisava
no ovo o cabrito
se ele pudesse
o pobre periquito
chocava o ovo
chupando um palmito
e quando nascesse
o pato bonito
ia achar muito feio
por não ser periquito
assustado voava
assustando o cabrito
e a cobra comia
sem querer o palmito
sobrava chocado
no bosque esquisito
o pato, coitado,
sozinho, acredito
mas sobrava contente
de não ser ovo frito
e de agora poder
contemplar o infinito
"o infinito é bonito
no bosque esquisito"
é o que disse, num grito,
o pato bonito.
terça-feira, 9 de agosto de 2016
Monumento à capivara velocista
A capivara vem correndo
oito milhões quinhentos e dezesseis mil
rasos quilômetros quadrados
temos que pegá-la
e implantar um chip nela
pro global positioning system
depois a CIA captura
de helicóptero no meio da selva
e leva pro museu dos bichos extintos
o governo brasileiro
bombardeia o resto dos índios
constrói lindos estádios de soja
orna ao redor com ciclovias
estátuas de bronze de capivaras
e guaranis kaiowás
explode o ouro pra fora do solo
cada habitante do território
tem direito a uma medalha no pescoço
pra se enforcar ou subir no palanque
e depois de tudo findo
amar fogos de artifício
oito milhões quinhentos e dezesseis mil
rasos quilômetros quadrados
temos que pegá-la
e implantar um chip nela
pro global positioning system
depois a CIA captura
de helicóptero no meio da selva
e leva pro museu dos bichos extintos
o governo brasileiro
bombardeia o resto dos índios
constrói lindos estádios de soja
orna ao redor com ciclovias
estátuas de bronze de capivaras
e guaranis kaiowás
explode o ouro pra fora do solo
cada habitante do território
tem direito a uma medalha no pescoço
pra se enforcar ou subir no palanque
e depois de tudo findo
amar fogos de artifício
Plaquinha perdida na multidão do estádio
Faz-me rir faz-me chorar
o futuro do país
repousado nunca quis
a esse futuro chegar
Tinha muitos outros planos
e no entanto aqui estamos
macambúzios, modernizados
e de novo condenados - a
rir, chorar, temer, gozar
o futuro do país
repousado nunca quis
a esse futuro chegar
Tinha muitos outros planos
e no entanto aqui estamos
macambúzios, modernizados
e de novo condenados - a
rir, chorar, temer, gozar
Triunfo do caipira que acende a pira olímpica
Na piramba o passo para
para a piranga da pira
pero a peroba caipira
para a pira se prepara
pica a ponta da cueca
picaré para a piara
essa pica pura ampara
peão, piá, perereca
agora a pira prolonga
e para o povo o caipira
perambula e prevarica:
seja sua vara poronga,
mera piracanjuvira,
essa pica é pica olímpica!
para a piranga da pira
pero a peroba caipira
para a pira se prepara
pica a ponta da cueca
picaré para a piara
essa pica pura ampara
peão, piá, perereca
agora a pira prolonga
e para o povo o caipira
perambula e prevarica:
seja sua vara poronga,
mera piracanjuvira,
essa pica é pica olímpica!
domingo, 7 de agosto de 2016
ed è subito sera
Cada pessoa está só
sobre o solo terrestre
suspensa num raio de sol
- e a noite desce.
sobre o solo terrestre
suspensa num raio de sol
- e a noite desce.
quinta-feira, 4 de agosto de 2016
Novas histórias do detetive Cachorro
Eu queria ser escritor e virei escritor. Eu queria ser detetive e virei detetive. Mas eu nunca quis ser cachorro.
.
Virei um escritor que escreve "nunca quis". Tudo bem, não quero ser perfeito. Nunca quis, rs. E um detetive bem medíocre. Quatro casos solucionados por cada dez investigados. Mas a pulga, no entanto, está sempre atrás da orelha.
.
Ela entra no escritório. A fumaça do cigarro sobe do cinzeiro em torvelinhos pelo ar. Tailleur vermelho, chapeuzinho desabado, talvez preso com um grampo. Sou muito perspicaz. Ela me olha confusa. Eu paro de me lamber e digo: pode sentar, neném.
.
Vou anotando no meu bloquinho. Sou um escritor sem medo do "-inho". E um detetive sem memória. Fala mais devagar, neném. Onde? Hm-hm. Calma, respira. Entrego o lenço pra ela. O broto acaricia a minha pata distraída, mas sensualmente, ao pegar o meu lencinho. Seus olhos úmidos me alcançam de uma distância longínqua. É, isso mesmo, "distância longínqua". Mas chega disso, detesto metalinguagem. O broto me devolve o lencinho com um suspiro de alívio e um pedido final. Depois, ajeita o chapeuzinho, a cadeira range ao se aliviar do peso da moça, e a porta range ao deixar passar o perfume doce da gardênia que desaparece corredor afora.
.
Tranco a porta e saio para a rua. Mijo no primeiro poste que vejo enquanto penso: a mãezinha sumida, o armazém abandonado, o perfume de gardênia e essa cidade que fede a urina. Consolo o meu focinho com a pista concedida: a última calcinha usada pela mãe. Olho em volta, trânsito, pessoas apressadas. Esta cidade não é lugar para uma mãezinha se perder.
.
Vou anotando no meu bloquinho as sensações que farejo no caminho. O armazém fica só a três quarteirões do meu escritório. Sinto um cheiro de emboscada. Mas nunca quis estar a salvo. Viver é muito, muito desconfiado.
.
Passo por Dolores, o broto da floricultura. Olá, neném. Dolores sorri, indecifrável como sempre, e deixa à mostra a cornucópia de cores cheirosas que abraça a entrada do estabelecimento. Ah, se Dolores fosse uma cadela, o rabo levantado oferecido ao meu focinho úmido. Aperto a calcinha no bolso do sobretudo e respiro fundo: falta só mais um quarteirão.
.
Os cheiros se confundem a cada passo. Preciso cheirar de novo a calcinha usada da mãezinha sumida. Aqui, nesse pelo crespo entrelaçado à trama de renda, mora uma metáfora poderosa. Queremos o caminho do útero, mas só temos vestígios porcos. Anoto rápido no meu bloquinho, senão esqueço. "Queremos o caminho do útero, mas só temos vestígios porcos..."
.
As imagens de Dolores sorrindo, da cornucópia se abrindo e do chapeuzinho combinando com o tailleur se esvanecem quando vejo o galpão cinza e sinistro incrustado no centro de um quarteirão vazio. Guardo minha caneta bic no bolso do sobretudo e coço a orelha, um tique que tenho quando percebo que um caso vai se solucionar. Corro atrás de um rato que corre entre um bueiro e outro e que se assusta com meus latidos. Ratos, essas metáforas fugidias.
.
O cheiro de gardênia se acentua na entrada dos fundos do armazém abandonado. A calcinha no bolso do sobretudo parece esquentar, na certa reluz no escuro da minha roupa. É um sinal de que a mãezinha está próxima. O lugar me traz lembranças sombrias de um lugar distante, longínquo na memória, do qual não quero me lembrar. O broto do tailleur vermelho de repente me parece muito, muito familiar.
.
De costas para mim, sentada numa cadeira solitária em meio ao vasto galpão sombrio, a silhueta de uma mulher exala o cheiro que eu vinha seguindo há tantos quarteirões. Meu coração parece acelerar mais do que o possível. Um ganido toma forma de grunhido à medida que avanço em direção a ela. Senhora? Senhora?
.
A mãezinha se levanta e olha na minha direção. É a própria moça do tailleur vermelho. Eu reconheço seus pentelhos crespos, porque a moça está nua. Que jogada macabra foi tramada pelo broto? Que papel eu exerci em sua peça de cartas marcadas e misteriosas? Uma gardênia azul brota insolente do meio do jardim de pelos da moça agora sem tailleur, e uma gargalhada preenche o espaço amplo e vazio desse galpão cinza, maldito, erguido sobre esgotos e ratos fétidos, fugidios.
.
Eu nunca quis ser escritor. Nem detetive. Mas fazia tempo que eu queria essa coleira antipulgas que chegou agora pelo correio. A fumaça do cigarro sobe em espirais pelo ar. A distância mais próxima entre dois pontos é uma linha curva, infinitamente torcida sobre si mesma. O broto de tailleur vermelho bate na porta e pergunta se pode entrar. Embaixo dessa saia eu sei que ela está usando a mesma, tortuosa, calcinha. Eu digo: sente-se.
.
Virei um escritor que escreve "nunca quis". Tudo bem, não quero ser perfeito. Nunca quis, rs. E um detetive bem medíocre. Quatro casos solucionados por cada dez investigados. Mas a pulga, no entanto, está sempre atrás da orelha.
.
Ela entra no escritório. A fumaça do cigarro sobe do cinzeiro em torvelinhos pelo ar. Tailleur vermelho, chapeuzinho desabado, talvez preso com um grampo. Sou muito perspicaz. Ela me olha confusa. Eu paro de me lamber e digo: pode sentar, neném.
.
Vou anotando no meu bloquinho. Sou um escritor sem medo do "-inho". E um detetive sem memória. Fala mais devagar, neném. Onde? Hm-hm. Calma, respira. Entrego o lenço pra ela. O broto acaricia a minha pata distraída, mas sensualmente, ao pegar o meu lencinho. Seus olhos úmidos me alcançam de uma distância longínqua. É, isso mesmo, "distância longínqua". Mas chega disso, detesto metalinguagem. O broto me devolve o lencinho com um suspiro de alívio e um pedido final. Depois, ajeita o chapeuzinho, a cadeira range ao se aliviar do peso da moça, e a porta range ao deixar passar o perfume doce da gardênia que desaparece corredor afora.
.
Tranco a porta e saio para a rua. Mijo no primeiro poste que vejo enquanto penso: a mãezinha sumida, o armazém abandonado, o perfume de gardênia e essa cidade que fede a urina. Consolo o meu focinho com a pista concedida: a última calcinha usada pela mãe. Olho em volta, trânsito, pessoas apressadas. Esta cidade não é lugar para uma mãezinha se perder.
.
Vou anotando no meu bloquinho as sensações que farejo no caminho. O armazém fica só a três quarteirões do meu escritório. Sinto um cheiro de emboscada. Mas nunca quis estar a salvo. Viver é muito, muito desconfiado.
.
Passo por Dolores, o broto da floricultura. Olá, neném. Dolores sorri, indecifrável como sempre, e deixa à mostra a cornucópia de cores cheirosas que abraça a entrada do estabelecimento. Ah, se Dolores fosse uma cadela, o rabo levantado oferecido ao meu focinho úmido. Aperto a calcinha no bolso do sobretudo e respiro fundo: falta só mais um quarteirão.
.
Os cheiros se confundem a cada passo. Preciso cheirar de novo a calcinha usada da mãezinha sumida. Aqui, nesse pelo crespo entrelaçado à trama de renda, mora uma metáfora poderosa. Queremos o caminho do útero, mas só temos vestígios porcos. Anoto rápido no meu bloquinho, senão esqueço. "Queremos o caminho do útero, mas só temos vestígios porcos..."
.
As imagens de Dolores sorrindo, da cornucópia se abrindo e do chapeuzinho combinando com o tailleur se esvanecem quando vejo o galpão cinza e sinistro incrustado no centro de um quarteirão vazio. Guardo minha caneta bic no bolso do sobretudo e coço a orelha, um tique que tenho quando percebo que um caso vai se solucionar. Corro atrás de um rato que corre entre um bueiro e outro e que se assusta com meus latidos. Ratos, essas metáforas fugidias.
.
O cheiro de gardênia se acentua na entrada dos fundos do armazém abandonado. A calcinha no bolso do sobretudo parece esquentar, na certa reluz no escuro da minha roupa. É um sinal de que a mãezinha está próxima. O lugar me traz lembranças sombrias de um lugar distante, longínquo na memória, do qual não quero me lembrar. O broto do tailleur vermelho de repente me parece muito, muito familiar.
.
De costas para mim, sentada numa cadeira solitária em meio ao vasto galpão sombrio, a silhueta de uma mulher exala o cheiro que eu vinha seguindo há tantos quarteirões. Meu coração parece acelerar mais do que o possível. Um ganido toma forma de grunhido à medida que avanço em direção a ela. Senhora? Senhora?
.
A mãezinha se levanta e olha na minha direção. É a própria moça do tailleur vermelho. Eu reconheço seus pentelhos crespos, porque a moça está nua. Que jogada macabra foi tramada pelo broto? Que papel eu exerci em sua peça de cartas marcadas e misteriosas? Uma gardênia azul brota insolente do meio do jardim de pelos da moça agora sem tailleur, e uma gargalhada preenche o espaço amplo e vazio desse galpão cinza, maldito, erguido sobre esgotos e ratos fétidos, fugidios.
.
Eu nunca quis ser escritor. Nem detetive. Mas fazia tempo que eu queria essa coleira antipulgas que chegou agora pelo correio. A fumaça do cigarro sobe em espirais pelo ar. A distância mais próxima entre dois pontos é uma linha curva, infinitamente torcida sobre si mesma. O broto de tailleur vermelho bate na porta e pergunta se pode entrar. Embaixo dessa saia eu sei que ela está usando a mesma, tortuosa, calcinha. Eu digo: sente-se.
a limpeza
corrói com sabão os poros
cheios de limpeza, que bactérias
restam pra língua
? vontade de mastigar
esses mínimos lixos, mas a boca
chega ao gosto de lavanda
mães míticas de araque
esfregando a merda da fala dos meninos
agora eu vou vingar
cuspe amanhecido
enfiado em cada buraco
esses pixels não sabem
com sua luz de shopping
o esgoto da boca
dos que chupam
corrói com sabão os poros
cheios de limpeza, que bactérias
restam pra língua
? vontade de mastigar
esses mínimos lixos, mas a boca
chega ao gosto de lavanda
mães míticas de araque
esfregando a merda da fala dos meninos
agora eu vou vingar
cuspe amanhecido
enfiado em cada buraco
esses pixels não sabem
com sua luz de shopping
o esgoto da boca
dos que chupam
terça-feira, 2 de agosto de 2016
ficar como os cachorros
feito só de expectativa e paciência
latir para os vizinhos quando eles passam sem aviso
e cagar a céu aberto
uma ruga de esforço entre os olhos
não saber das coisas cotidianas
mais do que o delas cotidiano
- memória plana e sem esforços
o que imagino dos cachorro
Tem passarinhos e gatos na vizinhança
incontáveis ratos nas frestas da cidade
esqueletos de macacos escondidos pelo asfalto
quem, dentre os que existem e os que não,
tem inveja da minha calça furada nos fundilhos de manhã
a enxaqueca que sofre por ser enxaqueca
além de pela dor crônica em algo que chamo de cabeça
será que o universo me olha
bípede, as contas no banco,
um teclado virtual com corretor automático em muitas línguas
e diz quem dera
ficar como os humanos
etc.
feito só de expectativa e paciência
latir para os vizinhos quando eles passam sem aviso
e cagar a céu aberto
uma ruga de esforço entre os olhos
não saber das coisas cotidianas
mais do que o delas cotidiano
- memória plana e sem esforços
o que imagino dos cachorro
Tem passarinhos e gatos na vizinhança
incontáveis ratos nas frestas da cidade
esqueletos de macacos escondidos pelo asfalto
quem, dentre os que existem e os que não,
tem inveja da minha calça furada nos fundilhos de manhã
a enxaqueca que sofre por ser enxaqueca
além de pela dor crônica em algo que chamo de cabeça
será que o universo me olha
bípede, as contas no banco,
um teclado virtual com corretor automático em muitas línguas
e diz quem dera
ficar como os humanos
etc.
sexta-feira, 29 de julho de 2016
alguém olha as praias no passado
o tempo
que eu tenho
não chega
à margem
outra
do mar
mal chega
à idade
da árvore
grande
o bastante
pra ser feita
barco:
eu morro
antes
sonhando
quais
serão as plantas
pessoas
comidas do outro
continente
pensando
quais
pesadelos
de dor
dirão aos meus netos
quem dera
vocês
não tivessem saído
da praia
aquela
em que seus avós
supuseram
o futuro
não valeu
essa pena
quem dera eu pudesse
nas outras praias
chegar
sem ter
o arrependimento de ter
chegado a esta
encontrar
o sonho
vai ser
o melhor motivo
pra dormir
que eu tenho
não chega
à margem
outra
do mar
mal chega
à idade
da árvore
grande
o bastante
pra ser feita
barco:
eu morro
antes
sonhando
quais
serão as plantas
pessoas
comidas do outro
continente
pensando
quais
pesadelos
de dor
dirão aos meus netos
quem dera
vocês
não tivessem saído
da praia
aquela
em que seus avós
supuseram
o futuro
não valeu
essa pena
quem dera eu pudesse
nas outras praias
chegar
sem ter
o arrependimento de ter
chegado a esta
encontrar
o sonho
vai ser
o melhor motivo
pra dormir
quarta-feira, 27 de julho de 2016
rádio gagá
eu sentava sozinho
e via a luz
meu único amigo
naquele tempo
e tudo aquilo
que eu supus
vinha de dentro
do rádio
você nos deu
todos os astros
entre guerras sem deus
e batalhas no espaço
você nos fez rir
e nos fez chorar
com você eu sentia
que ia voar
então não se torne
só um ruído
só uma bengala
pra velhos meninos
que não estão
nem aí
nem tem ouvidos
pra ouvir
você viveu
o seu tempo
e ainda vai ter
o seu tempo
rádio
tudo o que há
é rádio gagá
é rádio bubu
é rádio blablá
rádio, e aí?
rádio, eu estou
aqui
nós vemos shows
nós vemos homens
nós vemos vídeos
por horas e horas
e quase não temos
que usar ouvidos
pra ouvir a música
que nós ouvimos
tomara que
você não se vá
que não nos deixe
sem ter o que amar
fique aqui
pra nos entreter
quando a gente não tiver
nada pra ver
você viveu
o seu tempo
e ainda vai ter
o seu tempo
rádio
cosmofonia
agradeço
a existência
de palavras
usadas
pelo avesso
raras
para dar
à tarde
de quarta
um sonho
quântico
um canto
mudo
de matéria
negra
astrofísica
música
metáfora
nós
e os buracos
cósmicos
mecanismos
que engolem
e expelem
tudo
a existência
de palavras
usadas
pelo avesso
raras
para dar
à tarde
de quarta
um sonho
quântico
um canto
mudo
de matéria
negra
astrofísica
música
metáfora
nós
e os buracos
cósmicos
mecanismos
que engolem
e expelem
tudo
segunda-feira, 18 de julho de 2016
mapa do multiverso
lá
na fronteira
do conhecido
sobe
um abismo
inescalável
membrana
de meleca
uma bolha
se veem
através dela
borboletas
carnívoras
de carne
inexistente
aguardam
o primeiro
que se atreva
depois delas
outras bolhas
de meleca
quicam
umas nas outras
e flutuam
sempre
que se chocam
essas bolhas
matam
inumeráveis
borboletas
e se sujam
da meleca
da outra
bolha
de meleca
marmórea
a fronteira
assim
se mistura
à fronteira
que não
era sua
as borboletas
carnívoras
famintas
assistem
um universo
sem fronteiras
na fronteira
do conhecido
sobe
um abismo
inescalável
membrana
de meleca
uma bolha
se veem
através dela
borboletas
carnívoras
de carne
inexistente
aguardam
o primeiro
que se atreva
depois delas
outras bolhas
de meleca
quicam
umas nas outras
e flutuam
sempre
que se chocam
essas bolhas
matam
inumeráveis
borboletas
e se sujam
da meleca
da outra
bolha
de meleca
marmórea
a fronteira
assim
se mistura
à fronteira
que não
era sua
as borboletas
carnívoras
famintas
assistem
um universo
sem fronteiras
domingo, 17 de julho de 2016
hétero pero no mucho
1
que duro
é o teu pinto duro
quando se cura
dessa secura
2
no meio
da mãe dos teus filhos
aquele cheiro
de macho sabido
se chega bem perto
é quase possível
ouvir o gemido
do macho desperto
aí a tua língua
mergulha nela
nadando no nó
entre macho e donzela
3
cangote
um convescote
os pelos confundem
mais que os da bunda
pessoa é pessoa
doa a quem doa
pode entrar
ninguém vai notar
4
macho
discreto
fora do meio
deseja no meio
ereto
facho
acho
incerto
tanto receio
venha a que veio
direto
embaixo
que duro
é o teu pinto duro
quando se cura
dessa secura
2
no meio
da mãe dos teus filhos
aquele cheiro
de macho sabido
se chega bem perto
é quase possível
ouvir o gemido
do macho desperto
aí a tua língua
mergulha nela
nadando no nó
entre macho e donzela
3
cangote
um convescote
os pelos confundem
mais que os da bunda
pessoa é pessoa
doa a quem doa
pode entrar
ninguém vai notar
4
macho
discreto
fora do meio
deseja no meio
ereto
facho
acho
incerto
tanto receio
venha a que veio
direto
embaixo
sábado, 16 de julho de 2016
rondó dedado
gato se acaso
vc tem um alaúde
e por isso os dedos fortes
mais que todo transeunte
que um dia me dedou
devagar ou mesmo rude
pode vir pro meu local
vem depressa, não me ilude
não me importa a sua cara
tanto faz, não me confunde
peso altura ou piroca
nem precisa mandar nude
vc tem um alaúde
e por isso os dedos fortes
mais que todo transeunte
que um dia me dedou
devagar ou mesmo rude
pode vir pro meu local
vem depressa, não me ilude
não me importa a sua cara
tanto faz, não me confunde
peso altura ou piroca
nem precisa mandar nude
o duro pulso do acaso vai dando lugar
pro músculo mole e macio - nem por isso
não quero querê-lo - pelo contrário -
encontro o que quero no sono entre as pernas
almofada - mucosa - convite de pérolas -
fluindo da flor - fechada - em caralho
- aberta - ela treme - em chão movediço -
e em contato - comigo - poliniza - o lugar
pro músculo mole e macio - nem por isso
não quero querê-lo - pelo contrário -
encontro o que quero no sono entre as pernas
almofada - mucosa - convite de pérolas -
fluindo da flor - fechada - em caralho
- aberta - ela treme - em chão movediço -
e em contato - comigo - poliniza - o lugar
tudo o que sabíamos estava equivocado eis que agora
o que sabemos se alevanta um novo valor mais alto
eis que este tampouco nos importa e mais agora
antes que termine esta frase outro saber surge imponente
e tudo o que sabemos se descarta novo movimento
edifícios do saber vão se erigindo
desabam mal atingem a altura que parecia impossível
seus destroços caem em forma de novo prédio
um cachorro assiste a tudo a distância
se espanta por um tempo depois dorme e sonha
com afagos gatos fugindo coisas gostosas
o que sabemos se alevanta um novo valor mais alto
eis que este tampouco nos importa e mais agora
antes que termine esta frase outro saber surge imponente
e tudo o que sabemos se descarta novo movimento
edifícios do saber vão se erigindo
desabam mal atingem a altura que parecia impossível
seus destroços caem em forma de novo prédio
um cachorro assiste a tudo a distância
se espanta por um tempo depois dorme e sonha
com afagos gatos fugindo coisas gostosas
sexta-feira, 15 de julho de 2016
vejo na tela do computador um vídeo de alguém que viu
uma baleia emergir devagar do mar azul
a luz do sol atinge até trinta metros de profundidade
abaixo o que a baleia vê e vai ficando
uma noite que não conhece o seco
crateras e rochas nas profundezas abissais
bichos desconhecidos o centro do planeta
se esfriando do outro lado um japonês pode estar vendo
o mesmo vídeo dessa mesma baleia
e olha em volta
a cozinha com louça suja de comida japonesa
uma vontade reprimida
de ir no banheiro ainda não agora
vontade de ser esses bichos que se bastam
nos seus ambientes matam e morrem
sem esperar que aconteça
nada além do óbvio
uma baleia emergir devagar do mar azul
a luz do sol atinge até trinta metros de profundidade
abaixo o que a baleia vê e vai ficando
uma noite que não conhece o seco
crateras e rochas nas profundezas abissais
bichos desconhecidos o centro do planeta
se esfriando do outro lado um japonês pode estar vendo
o mesmo vídeo dessa mesma baleia
e olha em volta
a cozinha com louça suja de comida japonesa
uma vontade reprimida
de ir no banheiro ainda não agora
vontade de ser esses bichos que se bastam
nos seus ambientes matam e morrem
sem esperar que aconteça
nada além do óbvio
segunda-feira, 11 de julho de 2016
diário de quando tudo já virou diário
a poeta morta de trinta anos atrás previu tudo o que estes últimos trinta anos seriam
calhou de eu viver nesse tempo e agora tenho a idade que ela tinha quando se matou
e pela primeira vez em trinta anos as janelas não me atraem
que farei
com estes dedos esta tendinite este talento todo jogado pelo ralo
da psicanálise e do desejo assalariado
intenção de concatenações lógicas que farei sem deus meu deus sem morte
sem a finalidade inovadora dos blogues
perdido o bonde da geração penso ufa dessa me safei
agora ando no acostamento pensando tomara que quando eu chegar em casa
haja casa
destroços de parede pisoteados por renascidos dinossauros
e ovos que estalem emocionados manhã sentido da vida
seja tudo uma janela
a poeta morta de trinta anos atrás previu tudo o que estes últimos trinta anos seriam
calhou de eu viver nesse tempo e agora tenho a idade que ela tinha quando se matou
e pela primeira vez em trinta anos as janelas não me atraem
que farei
com estes dedos esta tendinite este talento todo jogado pelo ralo
da psicanálise e do desejo assalariado
intenção de concatenações lógicas que farei sem deus meu deus sem morte
sem a finalidade inovadora dos blogues
perdido o bonde da geração penso ufa dessa me safei
agora ando no acostamento pensando tomara que quando eu chegar em casa
haja casa
destroços de parede pisoteados por renascidos dinossauros
e ovos que estalem emocionados manhã sentido da vida
seja tudo uma janela
domingo, 10 de julho de 2016
é tipo tocar piano mas uma hora vc toca e o som sai desafinado
vc pensa merda de piano mas não é culpa do piano vai ver e ta tudo certo com ele
é o seu dedo mas como é possível até dois minutos atrás eu tocava lindo saía tudo
lindo, sonata noturno sei lá que porra eu não toco piano
aí vc fica tocando triste feio pensando que bosta o piano a minha vida nunca mais vou produzir música melhor é morrer logo
aí se vc não morre continua tocando até que uma hora de repente AH! saiu uma sonata um concerto o caralho
aí vc fica feliz e pensa ufa e pensa yeah e toca toca toca
é tipo isso só que não tão fácil quanto parece
vc pensa merda de piano mas não é culpa do piano vai ver e ta tudo certo com ele
é o seu dedo mas como é possível até dois minutos atrás eu tocava lindo saía tudo
lindo, sonata noturno sei lá que porra eu não toco piano
aí vc fica tocando triste feio pensando que bosta o piano a minha vida nunca mais vou produzir música melhor é morrer logo
aí se vc não morre continua tocando até que uma hora de repente AH! saiu uma sonata um concerto o caralho
aí vc fica feliz e pensa ufa e pensa yeah e toca toca toca
é tipo isso só que não tão fácil quanto parece
quinta-feira, 7 de julho de 2016
o tecido social
quem sou eu pra ficar costurando buracos?
estudar o surgimento dos estudos demográficos etc.
o presidente do brasil é um homem acovardado dentro do próprio terno
hordas de bárbaros fogem rumo ao passado
uma capa vermelha e um voo pra parar o movimento do planeta
e no entanto sem tudo isso eu lá teria esses livros que gosto tanto?
wi-fi paredes três cachorros sujando meu quintal
um quintal
sou um homem acovardado dentro do terno do presidente do brasil
os fantasmas das serpentes extintas se enrolam com raiva muda no meu perispírito
o universo é uma paca semiviva sendo deglutida
na primeira extremidade de uma jiboia grande, imperscrutável
quem sou eu pra ficar costurando buracos?
estudar o surgimento dos estudos demográficos etc.
o presidente do brasil é um homem acovardado dentro do próprio terno
hordas de bárbaros fogem rumo ao passado
uma capa vermelha e um voo pra parar o movimento do planeta
e no entanto sem tudo isso eu lá teria esses livros que gosto tanto?
wi-fi paredes três cachorros sujando meu quintal
um quintal
sou um homem acovardado dentro do terno do presidente do brasil
os fantasmas das serpentes extintas se enrolam com raiva muda no meu perispírito
o universo é uma paca semiviva sendo deglutida
na primeira extremidade de uma jiboia grande, imperscrutável
segunda-feira, 4 de julho de 2016
tudo o que se escreve
o que se canta o que se dança não adianta
onze mil pessoas
marcharam em toronto
três milhões e meio
pelas ruas de são paulo
se somos
dez por cento
de sete bilhões
no planeta
faça as contas:
não tem
regra de três
que te traga de volta
nem pronome
oblíquo átono
que sustente
tanto nome à revelia
em certidão de óbito
textos de luto
poemas fúnebres
foda-se
gritar
não esqueceremos
de vela na mão
nós esquecemos
pesquisadoras da mesma universidade em que você foi morto
encontraram oitenta e seis bilhões de neurônios no cérebro humano
bem menos
que os cem bilhões
que acreditávamos ter
tivéssemos
trilhões ou mais, talvez
soubéssemos dos assassinos
até a preferência
do almoço da família um dia antes
de abaixar as suas calças, de te dar
de bruços, de graça, pra noite, pra sempre
mães de todos os continentes choram filhos mortos
saturno mastiga a gente antes do futebol de sábado
no sábado encontrarei amigos e seu nome passará
entre uma mordida e outra
a língua desvia-se dos dentes
ninguém te soletra no entretempo
estatísticas tecem a rede que prende
o anjo que olha as ruínas do foda-se
outras letras com seus nomes vão morrendo
que nem os neurônios
com o tempo
eles não se regeneram
temporada de caça sempre aberta
no escuro os viados se encontram nos campos
pululam a última da lady gaga
e quando se tocam a luz que sai do corpo
deixa a gente exposta acende várias lâmpadas
o nome disso tudo não tem nome
chama sinapse fluorescência
diego vieira machado
etc.
o que se canta o que se dança não adianta
onze mil pessoas
marcharam em toronto
três milhões e meio
pelas ruas de são paulo
se somos
dez por cento
de sete bilhões
no planeta
faça as contas:
não tem
regra de três
que te traga de volta
nem pronome
oblíquo átono
que sustente
tanto nome à revelia
em certidão de óbito
textos de luto
poemas fúnebres
foda-se
gritar
não esqueceremos
de vela na mão
nós esquecemos
pesquisadoras da mesma universidade em que você foi morto
encontraram oitenta e seis bilhões de neurônios no cérebro humano
bem menos
que os cem bilhões
que acreditávamos ter
tivéssemos
trilhões ou mais, talvez
soubéssemos dos assassinos
até a preferência
do almoço da família um dia antes
de abaixar as suas calças, de te dar
de bruços, de graça, pra noite, pra sempre
mães de todos os continentes choram filhos mortos
saturno mastiga a gente antes do futebol de sábado
no sábado encontrarei amigos e seu nome passará
entre uma mordida e outra
a língua desvia-se dos dentes
ninguém te soletra no entretempo
estatísticas tecem a rede que prende
o anjo que olha as ruínas do foda-se
outras letras com seus nomes vão morrendo
que nem os neurônios
com o tempo
eles não se regeneram
temporada de caça sempre aberta
no escuro os viados se encontram nos campos
pululam a última da lady gaga
e quando se tocam a luz que sai do corpo
deixa a gente exposta acende várias lâmpadas
o nome disso tudo não tem nome
chama sinapse fluorescência
diego vieira machado
etc.
quarta-feira, 29 de junho de 2016
autorretrato
Recebo do mundo oxigênio e seus venenos
a herança está estilhaçada em todas as partes
há cinquenta anos eu nem era nascido e recebemos as primeiras fotos do planeta vindas lá de fora
essa esfera azul marmórea vai se distanciando a cada dia que passa
não sei se fico mais sozinho ou acompanhado quando acompanho esse movimento
bebo leite que muito provavelmente tem coágulos de pus de vaca oculta em matadouro
vou vivendo esquecido de que também sou um mamífero
mas gostaria de dar tetas fartas e ninhos pra todas as crianças que dormem nas ruas
pobre daquele que se esquece que existem crianças dormindo nas ruas
nosso autorretrato na sonda Voyager 1 no ano arbitrário de mil novecentos e noventa
o chamamos de pálido ponto azul
é nossa esperança
e Carl Sagan já disse melhor do que direi
que tudo tudo tudo que existe e existiu está ali, aqui
neste grão de pó suspenso num raio de sol
devolvo ao mundo gás carbônico, fezes, urina
e a insistência na lembrança dessa cor longínqua:
o azul
a herança está estilhaçada em todas as partes
há cinquenta anos eu nem era nascido e recebemos as primeiras fotos do planeta vindas lá de fora
essa esfera azul marmórea vai se distanciando a cada dia que passa
não sei se fico mais sozinho ou acompanhado quando acompanho esse movimento
bebo leite que muito provavelmente tem coágulos de pus de vaca oculta em matadouro
vou vivendo esquecido de que também sou um mamífero
mas gostaria de dar tetas fartas e ninhos pra todas as crianças que dormem nas ruas
pobre daquele que se esquece que existem crianças dormindo nas ruas
nosso autorretrato na sonda Voyager 1 no ano arbitrário de mil novecentos e noventa
o chamamos de pálido ponto azul
é nossa esperança
e Carl Sagan já disse melhor do que direi
que tudo tudo tudo que existe e existiu está ali, aqui
neste grão de pó suspenso num raio de sol
devolvo ao mundo gás carbônico, fezes, urina
e a insistência na lembrança dessa cor longínqua:
o azul
segunda-feira, 27 de junho de 2016
a estrela
o essencial é invisível aos olhos
um feixe de luz entra pela minha janela transformando o ar
esmegma de monóxido de carbono que sufoca são paulo
em anel de saturno, só que reto e finito
que bonito
os ácaros voam agarrados a pedaçúnculos de pele morta
atravessados, como eu, pelos neutrinos exteriores à galáxia
são leves no furo do poço que o planeta imprime no espaço-tempo
somos elásticos por causa das ondas de gravidade que banham a gente
mundo incansável
eu resultado da sua equação existo pra compartilhar tudo isso
e perpetuar e trazer tédio e destruição pro universo como um todo
cada coisa tem sua razão de ser
pode ser loucura
pode ser não ser
obrigado, espírito de deus concebido pelos meus antepassados
neste começo de tarde de pés frios vivendo no inverno do trópico de capricórnio
aceito as paredes da casa alugada e os raios cancerígenos da torre de celular aqui do lado
céu escuro iluminado
bem-vindo, dia igual aos outros
um feixe de luz entra pela minha janela transformando o ar
esmegma de monóxido de carbono que sufoca são paulo
em anel de saturno, só que reto e finito
que bonito
os ácaros voam agarrados a pedaçúnculos de pele morta
atravessados, como eu, pelos neutrinos exteriores à galáxia
são leves no furo do poço que o planeta imprime no espaço-tempo
somos elásticos por causa das ondas de gravidade que banham a gente
mundo incansável
eu resultado da sua equação existo pra compartilhar tudo isso
e perpetuar e trazer tédio e destruição pro universo como um todo
cada coisa tem sua razão de ser
pode ser loucura
pode ser não ser
obrigado, espírito de deus concebido pelos meus antepassados
neste começo de tarde de pés frios vivendo no inverno do trópico de capricórnio
aceito as paredes da casa alugada e os raios cancerígenos da torre de celular aqui do lado
céu escuro iluminado
bem-vindo, dia igual aos outros
sexta-feira, 24 de junho de 2016
refazer as palavras pegue tudo o que se construiu até agora
templos de deuses poderosos esquecidos de idiomas mortos
a delegacia de polícia está ali na esquina esperando o seu corpo de carne
tijolos garrafas plásticas adobe pegue todos os materiais possíveis
fazer edifícios de palha
improváveis torres trinta andares qualquer brisa derruba elas nem chegam a ficar prontas
palavras são palha
palavras são osso
reciclagem infinita, escavações curiosas do passado, tralhas que acumulam
um atropelo de abrigos e de absurdos nada dura
pra sempre olhar em volta / encher pulmões / se erguer do chão
templos de deuses poderosos esquecidos de idiomas mortos
a delegacia de polícia está ali na esquina esperando o seu corpo de carne
tijolos garrafas plásticas adobe pegue todos os materiais possíveis
fazer edifícios de palha
improváveis torres trinta andares qualquer brisa derruba elas nem chegam a ficar prontas
palavras são palha
palavras são osso
reciclagem infinita, escavações curiosas do passado, tralhas que acumulam
um atropelo de abrigos e de absurdos nada dura
pra sempre olhar em volta / encher pulmões / se erguer do chão
quarta-feira, 22 de junho de 2016
elegia
posso pensar átomos tocados pela língua
e rotações desta Rocha imaginária
em torno do próprio eixo, posso pensar
suas pernas abertas uma porta, entrar por elas
na casa exposta às tempestades do Tempo
nossos sonhos destelhando-se e nos deixando
sem o abrigo do látex e da potência
uma guerra entre vírus e Gulliver
amarrado entre tochas e o tempero do churrasco
nós dois separados e entre nós outros tantos átomos
que por acaso não formaram esta língua que eu passo
nos dentes trincados na gengiva que sangra
ó Big Bang Misterioso Acaso Deus Criador
Começo Inalcançável e Múltiplos Fins Imaginados
os físicos perscrutam vocês nas frestas do conhecimento
e enchem minha cabeça de mitos que remetem a mim mesmo
enquanto a língua áspera e as hemorroidas insistem cuidados médicos
e a Morte sussurra à porta sem pressa testando as chaves
encontrar uma pista de pouso entre as cordilheiras fechadas do Dia
suas pernas abertas sem átomos ou medo ou movimentos planetários
eu rezo pra que as feridas nunca nasçam na sua pele com cheiro de gente viva
a batalha é uma dança dói ela só termina quando for vencida
e rotações desta Rocha imaginária
em torno do próprio eixo, posso pensar
suas pernas abertas uma porta, entrar por elas
na casa exposta às tempestades do Tempo
nossos sonhos destelhando-se e nos deixando
sem o abrigo do látex e da potência
uma guerra entre vírus e Gulliver
amarrado entre tochas e o tempero do churrasco
nós dois separados e entre nós outros tantos átomos
que por acaso não formaram esta língua que eu passo
nos dentes trincados na gengiva que sangra
ó Big Bang Misterioso Acaso Deus Criador
Começo Inalcançável e Múltiplos Fins Imaginados
os físicos perscrutam vocês nas frestas do conhecimento
e enchem minha cabeça de mitos que remetem a mim mesmo
enquanto a língua áspera e as hemorroidas insistem cuidados médicos
e a Morte sussurra à porta sem pressa testando as chaves
encontrar uma pista de pouso entre as cordilheiras fechadas do Dia
suas pernas abertas sem átomos ou medo ou movimentos planetários
eu rezo pra que as feridas nunca nasçam na sua pele com cheiro de gente viva
a batalha é uma dança dói ela só termina quando for vencida
os meus cachorros devem me ver escrever
que nem os latidos pro nada a corrida sem sentido dos gatos
minhocas que querem escapar da composteira apesar de estarem no ambiente certo e com bastante comida
me pergunto se esse urubu voando em círculos sobre a nossa cabeça tem algum sucesso na sua busca
se aquele gambá que vi na beira de estrada no ano passado subido na árvore
tinha filhos e desejo de vê-los vivos
nessa curta vida devo ter escrito mais palavras do que a atual população de gambás do planeta
se amarrassem elas nos rabos dos bichos que incômodo seria se moverem
convivo com prazer incomodado entre os animais que sobreviveram à minha presença
e escrevo sem saber de mim mais do que sei dos meus companheiros
do mesmo jeito que observo meus cachorros latindo para o nada
e a corrida sem sentido dos gatos
que nem os latidos pro nada a corrida sem sentido dos gatos
minhocas que querem escapar da composteira apesar de estarem no ambiente certo e com bastante comida
me pergunto se esse urubu voando em círculos sobre a nossa cabeça tem algum sucesso na sua busca
se aquele gambá que vi na beira de estrada no ano passado subido na árvore
tinha filhos e desejo de vê-los vivos
nessa curta vida devo ter escrito mais palavras do que a atual população de gambás do planeta
se amarrassem elas nos rabos dos bichos que incômodo seria se moverem
convivo com prazer incomodado entre os animais que sobreviveram à minha presença
e escrevo sem saber de mim mais do que sei dos meus companheiros
do mesmo jeito que observo meus cachorros latindo para o nada
e a corrida sem sentido dos gatos
cada vez menos dias pela frente
e mais cachorros em volta
o dia é uma ilusão de ótica / sem rabo pra abanar
os corpos dos cachorros vão se acumulando em estradas jardins terrenos baldios
é um chão canino / recheado de ossinhos
preso no buraco da gravidade
ele late quando é noite em cada canto do mundo existe a noite
barriga pra cima pra todo mundo pisar em cima
e a barriga é a parte mais frágil do corpo animal
exposta sem estrutura óssea minha nossa senhora rogai
pela grande barriga celestial os bichos deslizam
o Tempo te faz carícia
e mais cachorros em volta
o dia é uma ilusão de ótica / sem rabo pra abanar
os corpos dos cachorros vão se acumulando em estradas jardins terrenos baldios
é um chão canino / recheado de ossinhos
preso no buraco da gravidade
ele late quando é noite em cada canto do mundo existe a noite
barriga pra cima pra todo mundo pisar em cima
e a barriga é a parte mais frágil do corpo animal
exposta sem estrutura óssea minha nossa senhora rogai
pela grande barriga celestial os bichos deslizam
o Tempo te faz carícia
segunda-feira, 20 de junho de 2016
sábado, 18 de junho de 2016
fiações, fusíveis, parafusos
Trança humana
A arte é uma rede de comunicações no tempo.
Há subestações de alta potência:
Homero, Dante, Shakespeare, Bach, Goya...
E há fiações, fusíveis, parafusos, isolantes,
Singelos e imprescindíveis.
(Paulo Mendes Campos)
A arte é uma rede de comunicações no tempo.
Há subestações de alta potência:
Homero, Dante, Shakespeare, Bach, Goya...
E há fiações, fusíveis, parafusos, isolantes,
Singelos e imprescindíveis.
(Paulo Mendes Campos)
sexta-feira, 17 de junho de 2016
a força
No centro da margem da superfície do planeta
ninguém se interessa pelas coisas que eu escrevo além de dois ou três amigos
a conta bancária evidencia o destino do poeta
e a poesia é uma prova de fogo no inverno das mudanças climáticas
palavras são usadas há milhares de anos pela espécie
dos pixels rupestres não sobrou sequer a marca-d'água
botas pisando nos rostos o banco de dados das íris
bombas de choro o comício intenso estratégias políticas
eu produzo sintaxes sem muita novidade os textos se anunciam
arautos do já era uma vida de espera e contundência
meus nomes rasurados das capas do livro de Deus morto
e morto vigiarei as conquistas dos séculos vindouros
de alma trancafiada na historicidade do corpo incomodado
receba os malabares de versos incapazes de cavar vulcões
a lava invisível lavará a vossa incompetência
com bilhões trilhões neutrinos atravessam os corpos sólidos chocando-se no Acaso
o vácuo é teu destino Universo completo de matéria escura
venham a mim os miseráveis somos todos de vontade de ser um Todo
suplantado pelo novo feito mofo repousa sobre a pedra
gratidão por estes átomos e desgosto pelo esmalte do dente rachado
a Terra é ouro cansaço e força e projeção de Finitude
ponto pálido que anula o abismo e a altitude
recolhem-se as Crianças atentas ao que não tem Forma
e formam um tecido uma atração outra ciranda
meu trabalho é desaparecer assim que for possível
deixar pegadas que confundam o caminho do Impossível
ninguém se interessa pelas coisas que eu escrevo além de dois ou três amigos
a conta bancária evidencia o destino do poeta
e a poesia é uma prova de fogo no inverno das mudanças climáticas
palavras são usadas há milhares de anos pela espécie
dos pixels rupestres não sobrou sequer a marca-d'água
botas pisando nos rostos o banco de dados das íris
bombas de choro o comício intenso estratégias políticas
eu produzo sintaxes sem muita novidade os textos se anunciam
arautos do já era uma vida de espera e contundência
meus nomes rasurados das capas do livro de Deus morto
e morto vigiarei as conquistas dos séculos vindouros
de alma trancafiada na historicidade do corpo incomodado
receba os malabares de versos incapazes de cavar vulcões
a lava invisível lavará a vossa incompetência
com bilhões trilhões neutrinos atravessam os corpos sólidos chocando-se no Acaso
o vácuo é teu destino Universo completo de matéria escura
venham a mim os miseráveis somos todos de vontade de ser um Todo
suplantado pelo novo feito mofo repousa sobre a pedra
gratidão por estes átomos e desgosto pelo esmalte do dente rachado
a Terra é ouro cansaço e força e projeção de Finitude
ponto pálido que anula o abismo e a altitude
recolhem-se as Crianças atentas ao que não tem Forma
e formam um tecido uma atração outra ciranda
meu trabalho é desaparecer assim que for possível
deixar pegadas que confundam o caminho do Impossível
domingo, 12 de junho de 2016
inverno paulista
As marcas de suor no lençol
fino cobrindo o seu colchão
no chão são ainda mais finas
os pelos espalhados na sua perna
também não servem pra te proteger
do frio que vem
quando o planeta dá seus giros
e confirma a mesma sina talvez
um cataclismo ambiental nos mobilize
acumulados uns nos outros
a gente se acolha e se ampare
de um jeito primeira vez experimentado
menino uma incógnita
esse futuro junto e esse presente
isolado
fino cobrindo o seu colchão
no chão são ainda mais finas
os pelos espalhados na sua perna
também não servem pra te proteger
do frio que vem
quando o planeta dá seus giros
e confirma a mesma sina talvez
um cataclismo ambiental nos mobilize
acumulados uns nos outros
a gente se acolha e se ampare
de um jeito primeira vez experimentado
menino uma incógnita
esse futuro junto e esse presente
isolado
terça-feira, 7 de junho de 2016
a fila
conheci todos os meninos do planeta
eles faziam fila pra passar na minha frente
a gente flertava mas nenhum deles ficava
perto só uma pedra e eu sentado
um cachorro me fazia companhia
rosnando cada vez que eu me mexia
para olhar mais de perto os meninos
óculos mostram rugas ocultas
nos rostos eles vão envelhecendo
e nos pelos cotovelos nos mamilos
mas que fila, não acaba, nunca
eles faziam fila pra passar na minha frente
a gente flertava mas nenhum deles ficava
perto só uma pedra e eu sentado
um cachorro me fazia companhia
rosnando cada vez que eu me mexia
para olhar mais de perto os meninos
óculos mostram rugas ocultas
nos rostos eles vão envelhecendo
e nos pelos cotovelos nos mamilos
mas que fila, não acaba, nunca
segunda-feira, 6 de junho de 2016
sumário brasileiro
País com nome de madeira e dinheiro
Cor, temperatura e esperança de futuro
As fronteiras são erosões bem calculadas
É impossível te conhecer com os pés
Com a boca, então, nem se fala
Uma gonorreia adormecida em cada família
Os estupros te povoam e engrandecem
Nunca antes se disse tanto em língua portuguesa
E golpes de estados que mudam tudo continua o mesmo
Desertos povoados de flores brutas improváveis
Um quilômetro quadrado com a maior biodiversidade do planeta
Muros torturas meninos de rua declamam poemas
Fardas e firulas e forrós nulos caixa de som da madrugada
Dez entre dez terroristas e traficantes preferem teu passaporte
Um abismo de vantagens se abre à nossa frente
Não tem nada que não se pague com o riso e o crediário
Pátria do apesar
Um tsunami de açúcar ameaça afundar a ilha
Bocas abertas te esperam
Corações cariados te esperam
Cor, temperatura e esperança de futuro
As fronteiras são erosões bem calculadas
É impossível te conhecer com os pés
Com a boca, então, nem se fala
Uma gonorreia adormecida em cada família
Os estupros te povoam e engrandecem
Nunca antes se disse tanto em língua portuguesa
E golpes de estados que mudam tudo continua o mesmo
Desertos povoados de flores brutas improváveis
Um quilômetro quadrado com a maior biodiversidade do planeta
Muros torturas meninos de rua declamam poemas
Fardas e firulas e forrós nulos caixa de som da madrugada
Dez entre dez terroristas e traficantes preferem teu passaporte
Um abismo de vantagens se abre à nossa frente
Não tem nada que não se pague com o riso e o crediário
Pátria do apesar
Um tsunami de açúcar ameaça afundar a ilha
Bocas abertas te esperam
Corações cariados te esperam
os bichos, a gente e a morte
os animais sabem a morte o tempo todo
a gente pensa que é exclusividade nossa, bobagem
a gatinha parada no braço do sofá se repete
"tudo que eu vejo terá um fim", e o cachorro
quando descansa das brincadeiras
se diz "bom, acho que não morri ainda"
os pardais enquanto voam
desejam
que a morte venha depressa
"e que eu não sinta a queda"
ser humano, se desfaça
das suas ilusões de finitude
viver a morte
não é teu privilégio
a gente pensa que é exclusividade nossa, bobagem
a gatinha parada no braço do sofá se repete
"tudo que eu vejo terá um fim", e o cachorro
quando descansa das brincadeiras
se diz "bom, acho que não morri ainda"
os pardais enquanto voam
desejam
que a morte venha depressa
"e que eu não sinta a queda"
ser humano, se desfaça
das suas ilusões de finitude
viver a morte
não é teu privilégio
segunda-feira, 30 de maio de 2016
a burrice
"Pergunta: A burrice é um mal incurável?
Clarice: É sim, mas pode-se atingir a inteligência da pessoa burra através do coração."
Clarice: É sim, mas pode-se atingir a inteligência da pessoa burra através do coração."
os vivos e os mortos
os vivos se encontram só por acaso
ricocheteiam nas paredes do que não acontece e eventualmente se trombam
os mortos circulam com mais malemolência
salpicam sua não existência em cima de nós que estamos vivos
nem percebemos que estamos cobertos de mortos
cercados por eles, fincados no seu chão
que é um chão móvel e gasoso
como uma nuvem
ricocheteiam nas paredes do que não acontece e eventualmente se trombam
os mortos circulam com mais malemolência
salpicam sua não existência em cima de nós que estamos vivos
nem percebemos que estamos cobertos de mortos
cercados por eles, fincados no seu chão
que é um chão móvel e gasoso
como uma nuvem
a biblioteca sem átomos
eu tenho na cabeça uma biblioteca de livros que só existem na minha cabeça e não vão encontrar nunca a prateleira de uma biblioteca concreta
nem sempre escritos por mim. alguns são de amigas e amigos. de gente morta e desconhecida. sou um editor prolífico
quando estou triste ou sem ter o que fazer, vou na biblioteca pra passear. fazia isso quando era adolescente e foi assim que descobri muita coisa. às vezes a biblioteca é a da minha cabeça
folheio as páginas inexistentes e volto de lá com mais fôlego
quando eu morrer, toda essa biblioteca vai desmoronar, transformar-se numa bola de fogo frio e invisível, não vai sobrar um átomo dela cuja história possa ser rastreada
é possível que alguém que leia estas linhas, então, me transforme em autor ou biografado ou editor de algum ou de alguns dos muitos livros que nunca sairão da biblioteca da sua própria cabeça
os livros têm uma vida que vai além da gente e a nossa vida vai além por causa deles
eles têm um jeito muito próprio de circular
nem sempre escritos por mim. alguns são de amigas e amigos. de gente morta e desconhecida. sou um editor prolífico
quando estou triste ou sem ter o que fazer, vou na biblioteca pra passear. fazia isso quando era adolescente e foi assim que descobri muita coisa. às vezes a biblioteca é a da minha cabeça
folheio as páginas inexistentes e volto de lá com mais fôlego
quando eu morrer, toda essa biblioteca vai desmoronar, transformar-se numa bola de fogo frio e invisível, não vai sobrar um átomo dela cuja história possa ser rastreada
é possível que alguém que leia estas linhas, então, me transforme em autor ou biografado ou editor de algum ou de alguns dos muitos livros que nunca sairão da biblioteca da sua própria cabeça
os livros têm uma vida que vai além da gente e a nossa vida vai além por causa deles
eles têm um jeito muito próprio de circular
quinta-feira, 26 de maio de 2016
os grandes mamíferos
uma confluência de químicos nativos da minha boca
me faz perceber a aspereza da língua a gengiva sangra
tenho medo dos cânceres escondidos a cada manhã
e de ser tão mau poeta quanto o presidente do Brasil
mas o medo não determina as minhas mordidas
atravesso as avenidas da cidade num ônibus que mal posso pagar
sobre rios fedidos da merda humana industrial dois mil e dezesseis
encontro amigos que limparão minhas feridas se o sarcoma me comer
nunca contei os dentes da minha boca e nem preciso
não conto os anos os dias são todos futuros
a vida se prende à jugular do passado estraçalha seu corpo gazela
frágil pulando nos prados o futuro é carnívoro
e os versos testemunham a cena são grandes mamíferos
me faz perceber a aspereza da língua a gengiva sangra
tenho medo dos cânceres escondidos a cada manhã
e de ser tão mau poeta quanto o presidente do Brasil
mas o medo não determina as minhas mordidas
atravesso as avenidas da cidade num ônibus que mal posso pagar
sobre rios fedidos da merda humana industrial dois mil e dezesseis
encontro amigos que limparão minhas feridas se o sarcoma me comer
nunca contei os dentes da minha boca e nem preciso
não conto os anos os dias são todos futuros
a vida se prende à jugular do passado estraçalha seu corpo gazela
frágil pulando nos prados o futuro é carnívoro
e os versos testemunham a cena são grandes mamíferos
terça-feira, 24 de maio de 2016
domingo, 22 de maio de 2016
segunda-feira, 16 de maio de 2016
o dia e a noite se seguem
e nunca se alcançam
os nossos avós acreditavam que a noite assassinava o dia todo fim de tarde e reinava tranquila até que o dia voltava à vida e a assassinava e assim sucessivamente
hoje a gente sabe que a morte e a violência são especificidades cósmicas nossas o espírito de Deus paira sobre a camada de ozônio e a luz corre mais do que qualquer outra coisa
mesmo assim o dia e a noite se seguem
e nunca se alcançam
e nunca se alcançam
os nossos avós acreditavam que a noite assassinava o dia todo fim de tarde e reinava tranquila até que o dia voltava à vida e a assassinava e assim sucessivamente
hoje a gente sabe que a morte e a violência são especificidades cósmicas nossas o espírito de Deus paira sobre a camada de ozônio e a luz corre mais do que qualquer outra coisa
mesmo assim o dia e a noite se seguem
e nunca se alcançam
domingo, 8 de maio de 2016
dia das mães
A gente tem essa dor de ter nascido
entre cortes e fezes e gritos
extraídxs de dentro uns das outras
rompem-se as cordas da unidade e o próximo
menos que um século será gasto
só e tentando reatar em nó
a mucosa da memória de um conforto
ainda antes eu um ovo
sem pinto
paciente
célula caudada descartável na bolsa
apêndice do homem minha origem
e antes
espirais de proteína emaranham-se no tempo
quando a primeira molécula mão de Deus
começou esse caminho acidentado em direção
a este um metro e oitenta e quatro de futuro esqueleto seco
das mucosas e melecas das metades abortadas
maternas
os fios atados não se tocam o que nos une
é só o espaço sem tempo
entre a gente.
entre cortes e fezes e gritos
extraídxs de dentro uns das outras
rompem-se as cordas da unidade e o próximo
menos que um século será gasto
só e tentando reatar em nó
a mucosa da memória de um conforto
ainda antes eu um ovo
sem pinto
paciente
célula caudada descartável na bolsa
apêndice do homem minha origem
e antes
espirais de proteína emaranham-se no tempo
quando a primeira molécula mão de Deus
começou esse caminho acidentado em direção
a este um metro e oitenta e quatro de futuro esqueleto seco
das mucosas e melecas das metades abortadas
maternas
os fios atados não se tocam o que nos une
é só o espaço sem tempo
entre a gente.
terça-feira, 26 de abril de 2016
o ouvido aberto a todo som e o senso
fresco não saber medir o peso os paus
dos homens pelados das revistas e à noite
voltar a sentir medo de si mesmo futuro
pode ser esquizofrênico que me importa
eu tenho todas as chances
perdidas por receio de que dê certo que
me importa a volta aos dezessete estala
no primeiro acorde do New Order
e o ciático e o estômago e a próstata
gasta um respiro que acomoda
o corpo ao todo o todo ao tempo
tudo que adolesce o tempo todo
fresco não saber medir o peso os paus
dos homens pelados das revistas e à noite
voltar a sentir medo de si mesmo futuro
pode ser esquizofrênico que me importa
eu tenho todas as chances
perdidas por receio de que dê certo que
me importa a volta aos dezessete estala
no primeiro acorde do New Order
e o ciático e o estômago e a próstata
gasta um respiro que acomoda
o corpo ao todo o todo ao tempo
tudo que adolesce o tempo todo
segunda-feira, 25 de abril de 2016
fugir dos fatos dos atos dos tropeços e trapaças
dos dias esconder-se das mensagens dos chamados e dos olhos da família
me trouxe a esta savana ameaçada e minúscula a minha cama
onde manadas de antílopes saltitam enquanto fogem da fome dos felinos
entre o escuro da postura planetária e o amarelo das paredes desta casa alugada
na secura do quadrilátero abarrotado do meio do continente sul-americano
que aniquilada a floresta amazônica vai deixar de irrigar então de fato uma savana
recupero o sumo selvagem a saliva da caça e amanhã recomeço a perder eles
dos dias esconder-se das mensagens dos chamados e dos olhos da família
me trouxe a esta savana ameaçada e minúscula a minha cama
onde manadas de antílopes saltitam enquanto fogem da fome dos felinos
entre o escuro da postura planetária e o amarelo das paredes desta casa alugada
na secura do quadrilátero abarrotado do meio do continente sul-americano
que aniquilada a floresta amazônica vai deixar de irrigar então de fato uma savana
recupero o sumo selvagem a saliva da caça e amanhã recomeço a perder eles
domingo, 17 de abril de 2016
feliz é a nação
E estando reunidos os homens do povo na casa que lhes dava nome, tratavam com pombos e asnos aos gritos vendendo-os entre uns e outros enquanto invocavam o nome do Senhor;
e eis que o Senhor vendo aquilo chamou Seu anjo e lhe disse: desce ao meio dos homens a anuncia a eles a minha chegada,
pois que chamaram o Senhor, e o Senhor atenderá. Eu sou o Deus de Jacó, Senhor dos Exércitos, a Paz de Jerusalém.
E descendo o anjo entre os homens, soou a vuvuzela anunciando Regozijai-vos, ó justos, pois o Senhor ouviu os vossos clamores, e sendo vós retos, Ele estará entre vós.
E disse o anjo: Tema toda terra ao Senhor; temam-no todos os moradores do mundo.
Ouvindo o anúncio do anjo, os homens se regozijaram, e houve grande festa entre eles.
E cortaram os testículos dos asnos para banhar-se com seu sangue, pois diziam O Senhor é bom, ele estará entre nós.
E aos pombos os homens deceparam com seus dentes, e violentaram as mulheres do povo, pois diziam Eis que tememos ao Senhor, e somos retos, e os olhos do Senhor estão sobre nós;
não restará entre nós pecador ou mulher do povo para que a ira do Senhor não se abata sobre nossa casa.
E seviciaram-se entre si, cortando-se de morte com lâminas e dentes, a eles e a suas mulheres, e a todos os pecadores da nação, até que sobraram apenas os justos. E desfizeram o conselho dos gentios, e cantavam com o saltério e um instrumento de dez cordas, louvando o nome do Senhor.
E os ímpios foram varridos da nação, pois a ira de Deus se abateu sobre eles, e suas mulheres foram feridas de morte e morreram.
Vendo aquilo, o Senhor se alegrou, e disse ao anjo Vai lá, toca a vuvuzela e anuncia o que te digo:
Eu sou o Senhor, Deus dos Exércitos, que livrou Seu povo do Egito, vosso auxílio, espada e escudo.
Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor, e o povo ao qual escolheu para sua herança. Não esperai mais. Pois eis que vós sois justos, e Eu sou justo.
Em verdade vos digo: vós sois o Senhor.
Ouvindo isso, os homens se regozijaram. E houve grande festa entre eles.
e eis que o Senhor vendo aquilo chamou Seu anjo e lhe disse: desce ao meio dos homens a anuncia a eles a minha chegada,
pois que chamaram o Senhor, e o Senhor atenderá. Eu sou o Deus de Jacó, Senhor dos Exércitos, a Paz de Jerusalém.
E descendo o anjo entre os homens, soou a vuvuzela anunciando Regozijai-vos, ó justos, pois o Senhor ouviu os vossos clamores, e sendo vós retos, Ele estará entre vós.
E disse o anjo: Tema toda terra ao Senhor; temam-no todos os moradores do mundo.
Ouvindo o anúncio do anjo, os homens se regozijaram, e houve grande festa entre eles.
E cortaram os testículos dos asnos para banhar-se com seu sangue, pois diziam O Senhor é bom, ele estará entre nós.
E aos pombos os homens deceparam com seus dentes, e violentaram as mulheres do povo, pois diziam Eis que tememos ao Senhor, e somos retos, e os olhos do Senhor estão sobre nós;
não restará entre nós pecador ou mulher do povo para que a ira do Senhor não se abata sobre nossa casa.
E seviciaram-se entre si, cortando-se de morte com lâminas e dentes, a eles e a suas mulheres, e a todos os pecadores da nação, até que sobraram apenas os justos. E desfizeram o conselho dos gentios, e cantavam com o saltério e um instrumento de dez cordas, louvando o nome do Senhor.
E os ímpios foram varridos da nação, pois a ira de Deus se abateu sobre eles, e suas mulheres foram feridas de morte e morreram.
Vendo aquilo, o Senhor se alegrou, e disse ao anjo Vai lá, toca a vuvuzela e anuncia o que te digo:
Eu sou o Senhor, Deus dos Exércitos, que livrou Seu povo do Egito, vosso auxílio, espada e escudo.
Feliz é a nação cujo Deus é o Senhor, e o povo ao qual escolheu para sua herança. Não esperai mais. Pois eis que vós sois justos, e Eu sou justo.
Em verdade vos digo: vós sois o Senhor.
Ouvindo isso, os homens se regozijaram. E houve grande festa entre eles.
sexta-feira, 15 de abril de 2016
no fim
das contas
o que se escreve só interessa mesmo
a quem escreve e depois
por um acaso
muito imprevisível
ou talvez nem tanto
porque tem vestibulares e outras instituições
que direcionam os textos e os destinatários
a um mesmo destino
mas mesmo assim
é um acaso o que dita
que eu tenha me emocionado
com a morte do cachorro retirante
aos dezessete anos
e não com o casamento de fachada
no romance do Alencar
como a minha amiga Tayce
é que o que se escreve
no fim
das contas
só interessa mesmo
a quem escreve
e por acaso
só mesmo por um acaso
bem casual
a alguém que leia
mesmo que seja décadas
ou séculos
depois
então eu numa noite de insônia
posso ficar tranquilo
entre sílabas
estou muito bem acompanhado
pelo fantasma incerto
de um leitor desconhecido
eu
que me interesso a mim, de repente
também
interesso a ele
o mundo tem hoje mais de sete bilhões de pessoas
o texto
teso
une o telefone de latinhas
de achocolatado
que eu entrego a essa pessoa
num escuro sem tato
por aqui
a gente se fala
eu não escuto
a não ser
o eco
da minha letra
a recompensa que temos
olha só, que engraçado:
eu, me sentir Deus
que deve estar assim
lá na Eternidade
insone balbuciando numa lata
de achocolatado
você, saber que Deus
existe, nem que seja
assim torto, um Deus
talvez já morto, é muito mais
do que muita gente
jamais
vai encontrar
das contas
o que se escreve só interessa mesmo
a quem escreve e depois
por um acaso
muito imprevisível
ou talvez nem tanto
porque tem vestibulares e outras instituições
que direcionam os textos e os destinatários
a um mesmo destino
mas mesmo assim
é um acaso o que dita
que eu tenha me emocionado
com a morte do cachorro retirante
aos dezessete anos
e não com o casamento de fachada
no romance do Alencar
como a minha amiga Tayce
é que o que se escreve
no fim
das contas
só interessa mesmo
a quem escreve
e por acaso
só mesmo por um acaso
bem casual
a alguém que leia
mesmo que seja décadas
ou séculos
depois
então eu numa noite de insônia
posso ficar tranquilo
entre sílabas
estou muito bem acompanhado
pelo fantasma incerto
de um leitor desconhecido
eu
que me interesso a mim, de repente
também
interesso a ele
o mundo tem hoje mais de sete bilhões de pessoas
o texto
teso
une o telefone de latinhas
de achocolatado
que eu entrego a essa pessoa
num escuro sem tato
por aqui
a gente se fala
eu não escuto
a não ser
o eco
da minha letra
a recompensa que temos
olha só, que engraçado:
eu, me sentir Deus
que deve estar assim
lá na Eternidade
insone balbuciando numa lata
de achocolatado
você, saber que Deus
existe, nem que seja
assim torto, um Deus
talvez já morto, é muito mais
do que muita gente
jamais
vai encontrar
segunda-feira, 11 de abril de 2016
quando morre uma
escritora um escritor
os anjos cochicham ih
lá vem mais uma mais
um, esses chegam cheios
de pompa e timidez perguntam
por deus e onde está a máquina
de escrever primordial os anjos
não aguentam mais ter que dizer
minha senhora meu senhor
aqui não tem nada dessas coisas nós sabemos
depois de tantos anos encharcando
papéis de tinta os dedos duros de tanto
digitar você se sente é
lógico
muito decepcionado decepcionada mas
entenda ninguém
nunca
jamais
te prometeu absolutamente nada e enquanto
na terra as editoras preparam
orelhas elogiosas e os jornalistas copiam
com esmero o press release
com dois comandos de teclado
a escritora o escritor ressuscitados
em fotos e suspiros e deus nos livre até
saraus pelos séculos e os séculos dos séculos
sussurram
poemas sem vida nos trabalhos de mesa espírita é que no céu
o monopólio das palavras está nas asas
dos anjinhos quando morre
uma escritora um escritor percebe
finalmente que as palavras
ruflam
míticas místicas abstratas
e não há deus nem nunca houve
uma máquina
de escrever
primordial
escritora um escritor
os anjos cochicham ih
lá vem mais uma mais
um, esses chegam cheios
de pompa e timidez perguntam
por deus e onde está a máquina
de escrever primordial os anjos
não aguentam mais ter que dizer
minha senhora meu senhor
aqui não tem nada dessas coisas nós sabemos
depois de tantos anos encharcando
papéis de tinta os dedos duros de tanto
digitar você se sente é
lógico
muito decepcionado decepcionada mas
entenda ninguém
nunca
jamais
te prometeu absolutamente nada e enquanto
na terra as editoras preparam
orelhas elogiosas e os jornalistas copiam
com esmero o press release
com dois comandos de teclado
a escritora o escritor ressuscitados
em fotos e suspiros e deus nos livre até
saraus pelos séculos e os séculos dos séculos
sussurram
poemas sem vida nos trabalhos de mesa espírita é que no céu
o monopólio das palavras está nas asas
dos anjinhos quando morre
uma escritora um escritor percebe
finalmente que as palavras
ruflam
míticas místicas abstratas
e não há deus nem nunca houve
uma máquina
de escrever
primordial
segunda-feira, 28 de março de 2016
contei nos dedos das mãos repetidos os homens
todos os homens que eu já beijei e só esses
são poucos comparados com todos os outros que eu já
esses lábios que você vê de película rosada
têm mais calos que a curva do dedão em contato
com a sola gasta do único par de tênis que ainda tenho
hoje é o dia
dos amores confessados, em verso
fácil e enjambement
malandrão
uma vida de beijos e palavras
à procura da delícia
que aparece em cada esquina em cada olhada
mas some tão depressa que parece nunca ter
existido
com sono e na trincheira de um colchão
cercado por bens baratos comprados com oito horas
diárias de trabalho
assalariado
masco pedaços do meu corpo soltos da pele dos dedos
ao rés da unha enquanto penso
uma rota de fuga um começo de incêndio
um navio naufragado
cometer homicídio
trinta anos de idade
chupar o calo dos beijos
sexta-feira, 25 de março de 2016
a paixão
é este martírio: coração
açoitado nos caminhos
entre o útero inocente da tua mãe
e a cruz do teu último suspiro
sexta-feira
companhia selvagem de naufragado
às vésperas de uma espera
por resgate e por acaso
promessa de sábado
dois mil anos depois
da sua morte sem registro e do seu corpo
aos céus sequestrado
quem diria
que te estaríamos repetindo
metaforicamente
num feriado
é este martírio: coração
açoitado nos caminhos
entre o útero inocente da tua mãe
e a cruz do teu último suspiro
sexta-feira
companhia selvagem de naufragado
às vésperas de uma espera
por resgate e por acaso
promessa de sábado
dois mil anos depois
da sua morte sem registro e do seu corpo
aos céus sequestrado
quem diria
que te estaríamos repetindo
metaforicamente
num feriado
terça-feira, 15 de março de 2016
o poeta rejeitado
Pela transparência da camisa puída
o elástico desfiado da cueca demonstra
o que a bengala já dizia ao te deixar
cair sentado entre as cadeiras do auditório
a voz barítona e sem ritmo então
termina de te anunciar pra todo mundo
como o poeta que o editor homenageado
rejeitou publicar por não ter qualidade
justo ele, que publicava tanta gente
inclusive os que no palco honram sua morte
(um fala de si mesmo em terceira pessoa
a obra completa do outro não diz nada).
Você sorri contando causos de que lembra
louva a amizade e lamenta não ser poeta.
o elástico desfiado da cueca demonstra
o que a bengala já dizia ao te deixar
cair sentado entre as cadeiras do auditório
a voz barítona e sem ritmo então
termina de te anunciar pra todo mundo
como o poeta que o editor homenageado
rejeitou publicar por não ter qualidade
justo ele, que publicava tanta gente
inclusive os que no palco honram sua morte
(um fala de si mesmo em terceira pessoa
a obra completa do outro não diz nada).
Você sorri contando causos de que lembra
louva a amizade e lamenta não ser poeta.
sexta-feira, 11 de março de 2016
Não tenho apego
a nenhum dos meus poemas
quem quiser que pegue eles
e refaça
como achar melhor
palavras recompostas
outras quebras de versos
ou ideias
deformadas
destruídas o que for
não tenho apego ao meu nome
ao meu corpo tenho pouco
nada basta ao texto
e eu não quero ter apego
que nem Deus
depois de descansar
passa os séculos fingindo
não ter
nada a ver
com Isto.
a nenhum dos meus poemas
quem quiser que pegue eles
e refaça
como achar melhor
palavras recompostas
outras quebras de versos
ou ideias
deformadas
destruídas o que for
não tenho apego ao meu nome
ao meu corpo tenho pouco
nada basta ao texto
e eu não quero ter apego
que nem Deus
depois de descansar
passa os séculos fingindo
não ter
nada a ver
com Isto.
quarta-feira, 2 de março de 2016
Se a manta do tempo
fosse de repente retirada
os planetas soltos
sem compromisso uns com os outros
Deus
é a nossa manta
que falta
Um planeta com frio
no vácuo sem Newton
sem Einstein perdido
de errante destino
Futuro, ó força
centrípeta ignota
vazio que canta
ralo aberto do tempo
Relento
nos cobre
do fim que adianta
Tua manta
fosse de repente retirada
os planetas soltos
sem compromisso uns com os outros
Deus
é a nossa manta
que falta
Um planeta com frio
no vácuo sem Newton
sem Einstein perdido
de errante destino
Futuro, ó força
centrípeta ignota
vazio que canta
ralo aberto do tempo
Relento
nos cobre
do fim que adianta
Tua manta
terça-feira, 1 de março de 2016
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Os dentes de Deus
Separo dois pratos
um com a parte da fruta podre
batida e mofada, pronta pra ser descartada
e outro com a manga brilhante,
firme, amarela e doce,
pronta pra ser consumida
Assim Deus, descendo dos céus
vai separar as pessoas entre aquelas
que serão tragadas pela terra
e pelos microrganismos que vivem nela
e as sem estrago nem prejuízo
à saúde e ao paladar
vão ser trituradas pelos dentes de Deus
digeridas por Sua santa saliva e doze horas
depois depositadas na base
da Árvore da Vida
em forma de fezes
divinas
um com a parte da fruta podre
batida e mofada, pronta pra ser descartada
e outro com a manga brilhante,
firme, amarela e doce,
pronta pra ser consumida
Assim Deus, descendo dos céus
vai separar as pessoas entre aquelas
que serão tragadas pela terra
e pelos microrganismos que vivem nela
e as sem estrago nem prejuízo
à saúde e ao paladar
vão ser trituradas pelos dentes de Deus
digeridas por Sua santa saliva e doze horas
depois depositadas na base
da Árvore da Vida
em forma de fezes
divinas
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
O peixe que nomeia
a minha cidade
nunca foi visto
pelas professoras que o traduziam
de ouvido
como peixe sem nome
de um rio abstrato
jundiá
se dizia
era uma espécie de bagre
abundante no í
qualquer água
que corre em qualquer língua
tupi
extinto
do rol das espécies esse peixe
nada solto
em cadernos escolares de crianças
elas mesmas um bagre preso
em números de registro e nomes próprios
daqui a pouco
em corpos inteligíveis
e traços de pertencimento de classe
todas as crianças dessa cidade
americana na linha do trópico de Capricórnio
levam o esquecimento desse peixe
e da língua desconhecida que o nomeia
em português na memória ou na carteira
de identidade que será usada
um dia
para o aquário da lei antiterrorismo
sob os olhares famintos da família
e dos colegas que em outros tempos matariam
todos os índios
e os peixes de um rio canalizado
vamos viver e destruir
que dos inimigos sobre só
a casca
de uma palavra
os espíritos dos peixes se acumulam
em cardume sobre as secas do sossego
e as crianças soletram o nome deles
no movimento rápido dos olhos
quando sonham
que voam
a minha cidade
nunca foi visto
pelas professoras que o traduziam
de ouvido
como peixe sem nome
de um rio abstrato
jundiá
se dizia
era uma espécie de bagre
abundante no í
qualquer água
que corre em qualquer língua
tupi
extinto
do rol das espécies esse peixe
nada solto
em cadernos escolares de crianças
elas mesmas um bagre preso
em números de registro e nomes próprios
daqui a pouco
em corpos inteligíveis
e traços de pertencimento de classe
todas as crianças dessa cidade
americana na linha do trópico de Capricórnio
levam o esquecimento desse peixe
e da língua desconhecida que o nomeia
em português na memória ou na carteira
de identidade que será usada
um dia
para o aquário da lei antiterrorismo
sob os olhares famintos da família
e dos colegas que em outros tempos matariam
todos os índios
e os peixes de um rio canalizado
vamos viver e destruir
que dos inimigos sobre só
a casca
de uma palavra
os espíritos dos peixes se acumulam
em cardume sobre as secas do sossego
e as crianças soletram o nome deles
no movimento rápido dos olhos
quando sonham
que voam
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
o imperador do nada
Com cem cachorros ao redor
Atentos ao espaço entre as coisas
Indefeso se levanta
O Imperador do Nada
Dois
Pés sustentam todos
Os que detêm a Posse
Dos nomes dos cem cachorros
Soltos apegados
Dê suas ordens pois
O Nada vai
Obedecer
Atentos ao espaço entre as coisas
Indefeso se levanta
O Imperador do Nada
Dois
Pés sustentam todos
Os que detêm a Posse
Dos nomes dos cem cachorros
Soltos apegados
Dê suas ordens pois
O Nada vai
Obedecer
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
o lado escuro da vida
dentro das páginas
dos livros guardados
é sempre noite
*
se você pega e abre
aleatório o primeiro que o dedo alcança
a noite escapa e te morde
*
é uma noite luminosa
como o sonho que eu tenho
de morrer em nova york
*
é uma noite luminosa
como os sonhos que eu tenho
parece que passei a noite em claro
*
de tanto tomar
antirretroviral
estou vivo e sempre
acordado
*
às vezes o livro
não te dá
nada
*
às vezes
o escuro está dentro
de você
*
como se você fosse
o espaço entre as páginas
de um livro guardado
*
alguém vem e te abre
e o seu escuro
escapa
*
e passa
o resto do tempo
tentando morder
*
que noite
luminosa
é a vida!
dos livros guardados
é sempre noite
*
se você pega e abre
aleatório o primeiro que o dedo alcança
a noite escapa e te morde
*
é uma noite luminosa
como o sonho que eu tenho
de morrer em nova york
*
é uma noite luminosa
como os sonhos que eu tenho
parece que passei a noite em claro
*
de tanto tomar
antirretroviral
estou vivo e sempre
acordado
*
às vezes o livro
não te dá
nada
*
às vezes
o escuro está dentro
de você
*
como se você fosse
o espaço entre as páginas
de um livro guardado
*
alguém vem e te abre
e o seu escuro
escapa
*
e passa
o resto do tempo
tentando morder
*
que noite
luminosa
é a vida!
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
um minuto para o fim do mundo
na TV, acabaram de avisar
FALTA UM MINUTO PARA O MUNDO ACABAR
minha mãe levou um susto
deu um pulo do sofá
bateu a cabeça no teto
caiu de pernas pro ar
depois levantou aos berros
e foi correndo pro banheiro
pisou no rabo do gato
que gritou um grande miado
saltou pela janela
e saiu em disparada
provocando um acidente
bem na frente da minha casa
os motoristas dos dois carros
nem notaram o acidente
tinham ouvido pelo rádio
a notícia do mundo acabando
então saíram correndo
e quem viu isso achou boa
a ideia e fez o mesmo
fui pra janela procurar o gato
e vi aquela confusão
motorista abraçando poste
cachorro na contramão
careca arrancando os cabelos
e o meu gato, atordoado,
fugindo de medo de um rato
o sorveteiro, desesperado,
meteu a cara no sorvete
o carteiro, ensandecido,
rasgava as cartas da gente
o pipoqueiro, amalucado,
jogava as pipocas pro alto
e o meu gato, coitadinho,
grudou na canela do vizinho
uma freira levantou a saia
e molhou a bunda na poça
depois caiu na gargalhada
jogando meleca na moça
que sentada, entristecida,
pensava no sentido da vida
e o meu gato, já cansado,
veio ficar do meu lado
então eu voltei pro sofá
pensando na confusão
como todo mundo gritava
aumentei o volume da televisão
minha mãe corria pela casa
indo de um lado para o outro
e o meu gato, adormecido
ficou no meu colo ronronando
então a TV avisou
UMA NOTÍCIA DE ÚLTIMO MINUTO
ACABARAM DE ANUNCIAR
NÃO VAI MAIS TER FIM DO MUNDO
CONTINUE ASSISTINDO
A NOSSA PROGRAMAÇÃO
minha mãe, ouvindo isso,
caiu sentada no sofá
a queda acordou o gato
que ficou contrariado
espreguiçou o corpo todo
e saindo do meu colo
desceu do sofá num pulo
e esbanjando rebolado
foi dormir em outro lado
FALTA UM MINUTO PARA O MUNDO ACABAR
minha mãe levou um susto
deu um pulo do sofá
bateu a cabeça no teto
caiu de pernas pro ar
depois levantou aos berros
e foi correndo pro banheiro
pisou no rabo do gato
que gritou um grande miado
saltou pela janela
e saiu em disparada
provocando um acidente
bem na frente da minha casa
os motoristas dos dois carros
nem notaram o acidente
tinham ouvido pelo rádio
a notícia do mundo acabando
então saíram correndo
e quem viu isso achou boa
a ideia e fez o mesmo
fui pra janela procurar o gato
e vi aquela confusão
motorista abraçando poste
cachorro na contramão
careca arrancando os cabelos
e o meu gato, atordoado,
fugindo de medo de um rato
o sorveteiro, desesperado,
meteu a cara no sorvete
o carteiro, ensandecido,
rasgava as cartas da gente
o pipoqueiro, amalucado,
jogava as pipocas pro alto
e o meu gato, coitadinho,
grudou na canela do vizinho
uma freira levantou a saia
e molhou a bunda na poça
depois caiu na gargalhada
jogando meleca na moça
que sentada, entristecida,
pensava no sentido da vida
e o meu gato, já cansado,
veio ficar do meu lado
então eu voltei pro sofá
pensando na confusão
como todo mundo gritava
aumentei o volume da televisão
minha mãe corria pela casa
indo de um lado para o outro
e o meu gato, adormecido
ficou no meu colo ronronando
então a TV avisou
UMA NOTÍCIA DE ÚLTIMO MINUTO
ACABARAM DE ANUNCIAR
NÃO VAI MAIS TER FIM DO MUNDO
CONTINUE ASSISTINDO
A NOSSA PROGRAMAÇÃO
minha mãe, ouvindo isso,
caiu sentada no sofá
a queda acordou o gato
que ficou contrariado
espreguiçou o corpo todo
e saindo do meu colo
desceu do sofá num pulo
e esbanjando rebolado
foi dormir em outro lado
hai cão
Os cachorros
piscam
deitados no chão
*
Rabo, pelos
ausência de agenda
o que me distancia
deles
*
Ter quatro patas
e não saber o que são
quatro patas
*
O estranho
no portão
recebido a latidos
*
O estranho recebido
com o rabo
e o focinho
*
O estranho
é amigo
ou coceira
*
Minha boca
é minha
única arma
*
O uivo
comunica
o uivo
*
Palavra
gutural
e única
*
Quando o cachorro
ama
o rabo balança
*
Não existe objetivo
que permaneça frente
à coceira
*
Um dono
que te ame
e sacrifique
*
Um dono
que te eduque
e te abandone
*
Um dono
que te bata
e te alimente
*
Um dono
que não
te entenda
*
Confunde
amor
com comida
*
Amor e comida:
mesmo remédio
anticoceira
*
Não:
a coceira
é soberana
*
Comer,
comer,
comer,
*
Cagar
a céu
aberto
*
O cão
lambe
o cu
*
O cão
cheira
o cu do Outro
*
O cão
se concentra
no pênis
*
É impossível castrar
o
desej
o
*
Existir:
vago nome
mutável
*
Viver:
tempo
incontável
*
O sonho
é um ganido
que acaba
*
Deitados
no chão
os cachorros
*
piscam
deitados no chão
*
Rabo, pelos
ausência de agenda
o que me distancia
deles
*
Ter quatro patas
e não saber o que são
quatro patas
*
O estranho
no portão
recebido a latidos
*
O estranho recebido
com o rabo
e o focinho
*
O estranho
é amigo
ou coceira
*
Minha boca
é minha
única arma
*
O uivo
comunica
o uivo
*
Palavra
gutural
e única
*
Quando o cachorro
ama
o rabo balança
*
Não existe objetivo
que permaneça frente
à coceira
*
Um dono
que te ame
e sacrifique
*
Um dono
que te eduque
e te abandone
*
Um dono
que te bata
e te alimente
*
Um dono
que não
te entenda
*
Confunde
amor
com comida
*
Amor e comida:
mesmo remédio
anticoceira
*
Não:
a coceira
é soberana
*
Comer,
comer,
comer,
*
Cagar
a céu
aberto
*
O cão
lambe
o cu
*
O cão
cheira
o cu do Outro
*
O cão
se concentra
no pênis
*
É impossível castrar
o
desej
o
*
Existir:
vago nome
mutável
*
Viver:
tempo
incontável
*
O sonho
é um ganido
que acaba
*
Deitados
no chão
os cachorros
*
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Um cheiro de pus e carne podre e material de limpeza em cada cômodo da casa, o nariz vai se acostumando e você também. Deitado na cama, ossos à mostra e feridas escondidas em cada dobra, algumas abertas, primavera, ele o jardim da morte, a gente, adubo em forma de pele gordura nos sonhos saber que dói cada minuto até que acabe, depois não sei. Ele grunhe um oi, um que bom que você veio se arrastando pela faringe, a boca. É um rasgo que todos os animais evoluíram. "Eu vou na cozinha", diz a mãe, a voz sempre embargada das mães, você cuida dele. Senta na beira da cama e pega com nojo a mão fria e suada entre as suas. Eu odeio a vida, eu odeio a morte. Os olhos assustados como os de um rato lento. Tem três anos a menos que você, parece ter a idade do seu pai, do seu avô, de todos os homens que viveram e morreram muito velhos. Que essa carne firme tão firme ceda e se dissolva em camas e caixões e na memória do esfíncter bruto, do pau duro suando vida a carne se enrijesça e assim continue, acumulando lágrimas e ócios e olhares vazios e vontades acumulando nada, essas flores dão frutos de nada, nada o futuro das plantas e do sexo e dos segundos ocos que o ponteiro deixa pra trás, nada e memória. Avesso ao vômito você se debruça e beija a boca imunda. Nega o café, o biscoito, se despede com pressa do apartamento, um cubo de nojo suspenso na cidade feita de esgoto e de gente que não se conhece. Chega na rua esperando vento, mas o ar está parado, e começa a andar ofegando de volta pra casa.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
se, por acaso
pixels e papéis
sobreviverem
aos vírus e à decomposição
do presente
talvez
virá
você
mestrandx do futuro
tirar valor
e dar dizer
a estes versos
presentes
escreverá
sobre eles
parágrafos ordenados
em páginas avaliadas pelos pares
na esperança
de dizer
algo de útil, duradouro
ou que ao menos valha o título
na esperança de que ele
faça mais fácil
a sua vida
desde hoje eu te desejo
boa sorte
na vida e na escrita se por acaso
você um
dia existir
pixels e papéis
sobreviverem
aos vírus e à decomposição
do presente
talvez
virá
você
mestrandx do futuro
tirar valor
e dar dizer
a estes versos
presentes
escreverá
sobre eles
parágrafos ordenados
em páginas avaliadas pelos pares
na esperança
de dizer
algo de útil, duradouro
ou que ao menos valha o título
na esperança de que ele
faça mais fácil
a sua vida
desde hoje eu te desejo
boa sorte
na vida e na escrita se por acaso
você um
dia existir
domingo, 31 de janeiro de 2016
áspera
a sola
de dez
mil
pares
de pés
roça
o chão
de navios
cavernas
casebres
igrejas
em que os parentes ganharam
e perderam seus nomes
eu nunca
vou saber
mais
do que meia dúzia
de palavras
a mãe da nonna
jogada no Atlântico
e o pai do nonno
louco
de tanto ler a Bíblia
partos
no meio do mato
estupros
e bichas perdidas
dos fatos
da família
imagino uma grande reunião
os mortos infinitos no sonho mais eu
nos olhando com espanto e reconhecimento
um lapso o rastro genético, e foda-se
é o que pensamos
segundos antes de virar as costas
e andando
acordar
a sola
de dez
mil
pares
de pés
roça
o chão
de navios
cavernas
casebres
igrejas
em que os parentes ganharam
e perderam seus nomes
eu nunca
vou saber
mais
do que meia dúzia
de palavras
a mãe da nonna
jogada no Atlântico
e o pai do nonno
louco
de tanto ler a Bíblia
partos
no meio do mato
estupros
e bichas perdidas
dos fatos
da família
imagino uma grande reunião
os mortos infinitos no sonho mais eu
nos olhando com espanto e reconhecimento
um lapso o rastro genético, e foda-se
é o que pensamos
segundos antes de virar as costas
e andando
acordar
domingo, 24 de janeiro de 2016
Um bolo de aids foi servido no seu aniversário
Em volta os convidados batem palmas na lipodistrofia
Seringas cheias de porra o novo canapé
E mantêm uma distância de dez metros cada um
Os copos descartáveis o látex descartável
Masturbe-se em cima do bolo e coma ele sozinho
As lembrancinhas são de herpes gonorreia sífilis
A volta pra casa acontece por ruas iluminadas onde ninguém
Mais tem medo
De mais nada
Antibiótico antirretroviral antiapocalipse
Mais um ano pela frente até a próxima volta do Sol
Até o momento em que você começou a escolher viver
E pra isso tinha que tomar banho e se alimentar
E manter o desejo a uma distância
Segura
*
Numa sala observada / o aniversariante abre os presentes / mais uma cartela de comprimidos / é bom guardar no cofre / ano que vem com a troca do governo / com a queda do oxigênio / vão ficar muito mais caros
*
Um bolo de aids
Um bolo de câncer
Um bolo de espera
*
Aplicativos pornografia corpos na cabeça
Quando você morrer
Cosplay de homem-bomba uma metralhadora de porra
Setenta e dois rapazes de cock ring te esperarão
No extinto Cine Saci da avenida São João
Em volta os convidados batem palmas na lipodistrofia
Seringas cheias de porra o novo canapé
E mantêm uma distância de dez metros cada um
Os copos descartáveis o látex descartável
Masturbe-se em cima do bolo e coma ele sozinho
As lembrancinhas são de herpes gonorreia sífilis
A volta pra casa acontece por ruas iluminadas onde ninguém
Mais tem medo
De mais nada
Antibiótico antirretroviral antiapocalipse
Mais um ano pela frente até a próxima volta do Sol
Até o momento em que você começou a escolher viver
E pra isso tinha que tomar banho e se alimentar
E manter o desejo a uma distância
Segura
*
Numa sala observada / o aniversariante abre os presentes / mais uma cartela de comprimidos / é bom guardar no cofre / ano que vem com a troca do governo / com a queda do oxigênio / vão ficar muito mais caros
*
Um bolo de aids
Um bolo de câncer
Um bolo de espera
*
Aplicativos pornografia corpos na cabeça
Quando você morrer
Cosplay de homem-bomba uma metralhadora de porra
Setenta e dois rapazes de cock ring te esperarão
No extinto Cine Saci da avenida São João
Não acredito em
Inconsciente. Os passos dados se apagam
Pois o passo presente é a lâmpada.
Os sonhos são feitos
De demônios sem moral. As lembranças
São atos nostálgicos do mistério. E os atos
Nunca são falhos. O cérebro é
Uma carne que aguarda
Decompor-se. A vida
Desperdiça
Cada coisa que recolhe
Porque Deus preparou-lhe
Abundância de uma mesa na presença de sua amiga,
A morte.
Inconsciente. Os passos dados se apagam
Pois o passo presente é a lâmpada.
Os sonhos são feitos
De demônios sem moral. As lembranças
São atos nostálgicos do mistério. E os atos
Nunca são falhos. O cérebro é
Uma carne que aguarda
Decompor-se. A vida
Desperdiça
Cada coisa que recolhe
Porque Deus preparou-lhe
Abundância de uma mesa na presença de sua amiga,
A morte.
Os cachorros deitados no mato
Entre as plantas cuidadosamente escolhidas pela grana
Sobre a terra remexida por minhocas vivas e bandeirantes mortos
Três metros quadrados de lembrança da floresta
Inscrita nos neurônios anônimos no perispírito paciente
Meu, da minha amiga e dos cachorros
Indiferentes ao domingo
Deitados no mato
Entre as plantas cuidadosamente escolhidas pela grana
Sobre a terra remexida por minhocas vivas e bandeirantes mortos
Três metros quadrados de lembrança da floresta
Inscrita nos neurônios anônimos no perispírito paciente
Meu, da minha amiga e dos cachorros
Indiferentes ao domingo
Deitados no mato
domingo
Eu era acordado pela minha mãe
pra que pusesse a melhor das roupas
Deus não merece menos
a gente ia pra igreja na carroceria cheia de graxa
da caminhonete do meu pai sentados em cima de um papelão pra não sujar
a melhor das roupas
Hoje eu acordo no horário em que sairia do culto
sonho com a polícia militar e acordo com o barulho dos meus cachorros e dos passarinhos no mamoeiro
e lembro de Deus quando vejo as hastes secas
fechadas em si mesmas do vaso de capim-cidreira
faz dois dias que esqueço de regar
Quando a terra encharca de água
proveniente do sistema estatal de abastecimento hídrico do estado de São Paulo
pouco tempo depois as folhas do mato inflam e retomam a vida de onde
haviam parado
Deus é a caminhonete
a graxa
o chamado da minha mãe
a água e a polícia e o regador
o sonho e o esquecimento e a igreja
a melhor roupa e a camiseta esburacada
que eu visto agora porque me faltam outras
e o sol forte que seca as plantas
desamparadas
Eu sou o capim-cidreira
pra que pusesse a melhor das roupas
Deus não merece menos
a gente ia pra igreja na carroceria cheia de graxa
da caminhonete do meu pai sentados em cima de um papelão pra não sujar
a melhor das roupas
Hoje eu acordo no horário em que sairia do culto
sonho com a polícia militar e acordo com o barulho dos meus cachorros e dos passarinhos no mamoeiro
e lembro de Deus quando vejo as hastes secas
fechadas em si mesmas do vaso de capim-cidreira
faz dois dias que esqueço de regar
Quando a terra encharca de água
proveniente do sistema estatal de abastecimento hídrico do estado de São Paulo
pouco tempo depois as folhas do mato inflam e retomam a vida de onde
haviam parado
Deus é a caminhonete
a graxa
o chamado da minha mãe
a água e a polícia e o regador
o sonho e o esquecimento e a igreja
a melhor roupa e a camiseta esburacada
que eu visto agora porque me faltam outras
e o sol forte que seca as plantas
desamparadas
Eu sou o capim-cidreira
sábado, 23 de janeiro de 2016
o quarto azul
As paredes
escorrem dos teus olhos em mensagens de ex
amantes e amigos que agora vivem tão distantes quanto
os anos que você imagina se afastando
à medida
que sobe os olhos pelas paredes que
escorrem
Adolescente
cérebro
impedido em crânio antigo
de tocar e lamber e gozar nas bochechas gordas de um amigo imaginário
guardado na vontade de exceder
o concreto
das paredes secas e imóveis deste quarto e do teu
cérebro
Um cubo azul
como os lábios de um morto nunca visto que em vida te acompanhou
quando o corpo preso em medo e palavras de parentes não tinha alternativa
além
de se acompanhar
a si mesmo
Peito buraco e caralho mole
Encolhem na descida dessa nuvem carregada
que escorre
Queda
Destino de Tudo
Crave
as unhas nas paredes e evapore a Palavra
única circunstância de subida do impotente
Ela vem
Um colar de Dinamite
Explode o orgasmo guardado entre esses ossos indistintos não fique triste agora
Você
Pode parir o momento infinito no momento
exato em que o estalo esmorece Não Fique Triste
Agora
e Sempre
Você pode
Morrer
escorrem dos teus olhos em mensagens de ex
amantes e amigos que agora vivem tão distantes quanto
os anos que você imagina se afastando
à medida
que sobe os olhos pelas paredes que
escorrem
Adolescente
cérebro
impedido em crânio antigo
de tocar e lamber e gozar nas bochechas gordas de um amigo imaginário
guardado na vontade de exceder
o concreto
das paredes secas e imóveis deste quarto e do teu
cérebro
Um cubo azul
como os lábios de um morto nunca visto que em vida te acompanhou
quando o corpo preso em medo e palavras de parentes não tinha alternativa
além
de se acompanhar
a si mesmo
Peito buraco e caralho mole
Encolhem na descida dessa nuvem carregada
que escorre
Queda
Destino de Tudo
Crave
as unhas nas paredes e evapore a Palavra
única circunstância de subida do impotente
Ela vem
Um colar de Dinamite
Explode o orgasmo guardado entre esses ossos indistintos não fique triste agora
Você
Pode parir o momento infinito no momento
exato em que o estalo esmorece Não Fique Triste
Agora
e Sempre
Você pode
Morrer
diário
mas
um
dia
o peito
leve
acorda
pulmões
depois
de uma batalha pelo ar
suspiram
alívio
éter no lugar de chumbo
queridos
dias
agentes de tortura do Tempo
alternam
a mão
forçando minha face no esgoto
e o peito
macio
recebendo minha cabeça cansada
até
quando
vou
aguentar essa alternância
de amor e desespero
e silêncio sereno antes da angústia
o Tempo
numa sala
iluminada e distante dos porões da verticalidade
em que a massa do planeta
torna tudo
mais
lento
aguarda
que eu responda
essa pergunta
um
dia
o peito
leve
acorda
pulmões
depois
de uma batalha pelo ar
suspiram
alívio
éter no lugar de chumbo
queridos
dias
agentes de tortura do Tempo
alternam
a mão
forçando minha face no esgoto
e o peito
macio
recebendo minha cabeça cansada
até
quando
vou
aguentar essa alternância
de amor e desespero
e silêncio sereno antes da angústia
o Tempo
numa sala
iluminada e distante dos porões da verticalidade
em que a massa do planeta
torna tudo
mais
lento
aguarda
que eu responda
essa pergunta
sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
batalha
O exército de minutos que o dia manda
em seus ponteiros e pixels invisíveis caindo chuva de chumbo nos ouvidos nos nossos ombros
abrem sete bocas a cada uma que entopem
com os comprimidos e a comida e a previsão de médicos limpos
de uma vida de látex e aids inocente
Eu sinto
cada um desses minutos marchando na capa gorda do fígado
escondido entre as orelhas de uma enxaqueca que compartilho
com
cada
um
dos meus
contemporâneos
Também eles às voltas com vírus
com sorrisos estéreis embaixo de máscaras impotentes
contra o gás carbônico que o chão sendo queimado expele na esperança
de nos
matar
a todos e retomar o império dele de fóssil inútil camadas de mucosas
decompostas, sete bilhões de pessoas
punidas por Deméter com um desejo
infértil
Memória
de ponteiros que desciam uma lâmina
de justiça sobre a nuca dos medos
jamais
esses ponteiros
venceram
Relógios esperas abraços de morte das mães meu fígado
assassino e minha cabeça
explodindo competem
pra saber quem será digno
de que eu diga
seu Nome.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
reto
receptivo
intestino
imagine
se a porra viajasse
por todas as tripas
atravessasse as feridas
da mucosa exposta
no triunfo
entre vielas e becos
se arrastasse
pela parte delgada
a que possui
mais neurônios
depois do cérebro
sem ser percebida
por fígado e pâncreas
chegasse no estômago
e ali gestasse
em ácido e alimento
um novo tamanho
diminuído
pra passar enfim
pelo esôfago
e alcançar
o sino
a tempo
de florir
a garganta e os dentes
e a língua em sons
matinais
espuma branca
de Urano no mar
de saliva
da boca
saísse
imagine
nascida em palavras, canção
tua porra
receptivo
intestino
imagine
se a porra viajasse
por todas as tripas
atravessasse as feridas
da mucosa exposta
no triunfo
entre vielas e becos
se arrastasse
pela parte delgada
a que possui
mais neurônios
depois do cérebro
sem ser percebida
por fígado e pâncreas
chegasse no estômago
e ali gestasse
em ácido e alimento
um novo tamanho
diminuído
pra passar enfim
pelo esôfago
e alcançar
o sino
a tempo
de florir
a garganta e os dentes
e a língua em sons
matinais
espuma branca
de Urano no mar
de saliva
da boca
saísse
imagine
nascida em palavras, canção
tua porra
querido tempo
da ponta do dedo
pras células moléculas
e átomos e campos
magnéticos
um dedo
nunca toca
nada
porque as partículas
quando se aproximam
se afastam
*
mas a gente
não sente
em nível atômico
ou estaríamos com vertigem
o micromundo se movendo
o tempo todo
eu deitado
ao meio-dia me escondendo
do futuro um lençol na cabeça
vomitaria
nauseado
movimento
em vez disso
guardo todo o suco gástrico entre as paredes
incrivelmente imunes
do meu estômago
*
a gente também não sente
no nível macro entre as estrelas
a escura matéria que intriga astrofísicos no século de Einstein
ela é invisível e intocável pra alguém tão preso
à atmosfera e ao funil no tempo-espaço
que se chama por aí de gravidade
uma queda
infinita
com o peso de uma atmosfera sobre a cabeça
e o peso de um planeta
sob os pés
uma queda
imóvel
nesta cama de lençóis cheios de ácaros
me identificando a um corpo variado
em seus espaços e nos sólidos
incógnitos
*
querido tempo
que me aperta
em mim mesmo
e atravessa
os lugares vácuos
que eu não conheço
chegue súbito
feito um
pombo-correio
e me entregue
uma mensagem
diferente
orgasmo
equilíbrio
esquecimento
pras células moléculas
e átomos e campos
magnéticos
um dedo
nunca toca
nada
porque as partículas
quando se aproximam
se afastam
*
mas a gente
não sente
em nível atômico
ou estaríamos com vertigem
o micromundo se movendo
o tempo todo
eu deitado
ao meio-dia me escondendo
do futuro um lençol na cabeça
vomitaria
nauseado
movimento
em vez disso
guardo todo o suco gástrico entre as paredes
incrivelmente imunes
do meu estômago
*
a gente também não sente
no nível macro entre as estrelas
a escura matéria que intriga astrofísicos no século de Einstein
ela é invisível e intocável pra alguém tão preso
à atmosfera e ao funil no tempo-espaço
que se chama por aí de gravidade
uma queda
infinita
com o peso de uma atmosfera sobre a cabeça
e o peso de um planeta
sob os pés
uma queda
imóvel
nesta cama de lençóis cheios de ácaros
me identificando a um corpo variado
em seus espaços e nos sólidos
incógnitos
*
querido tempo
que me aperta
em mim mesmo
e atravessa
os lugares vácuos
que eu não conheço
chegue súbito
feito um
pombo-correio
e me entregue
uma mensagem
diferente
orgasmo
equilíbrio
esquecimento
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
Marcião
Deixa ela me bater! Um bando de bunda-mole vem separar. Continuo pondo o dedo na cara da mina e levo um chute. Quem você pensa que é?! Cê acha que eu vou revidar?! Todo mundo vai embora, ninguém me dá mais trela. Falta meia garrafa pra beber. “Você é um babaca”, alguém grita de longe. Bebo o resto. Ele anda em círculos no meio da rua. Leva um coió da polícia e senta entre as árvores. Quando amanhece, a cabeça pesa, não lembro de mais nada. Olho a primeira que passa. “Gostosa.” Ela nem imagina. Se imaginasse, também me batia.
terça-feira, 19 de janeiro de 2016
o fim constante
A vida é espera. Faltam três dias. Mas quando passam dois, antes que termine o terceiro, precisa esperar sua metade: o sol é lento no céu. A enfermeira traz o almoço, uma sopa rala. Antes que ela traga, você precisa acordar. E nem dormiu. Então precisa: dormir, acordar, comer, digerir e morrer. E não consegue fechar os olhos. Sob as pálpebras, estão sempre abertos. De repente, como se piscasse, tudo acontece: o terceiro dia chega e já está quase no fim. A vida é esperar o fim da espera. Meia-noite, madrugada, o quarto dia acorda. O tempo não se importa.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2016
devir animal
Acordado agora, uma tira pra fora da boca / sou um mágico / oito metros de tripa oca se desenrolando / e são mais oito. A cada dia, oito metros de esôfago crescem pra fora dos dentes e dos lábios. Já anda com um carretel, vai pro trabalho, umedece ou a mucosa racha. Tem quarenta anos de idade, oitenta metros de esôfago (a cada dez dias faz uma cirurgia). Chega de negar. Agora chama “tromba” – eu, “elefante”. Uso a tromba pra roubar comida dos restaurantes. Quando a polícia corre atrás de mim, pisoteio as viaturas e saio pela cidade, savana.
domingo, 17 de janeiro de 2016
A grande purga de 1984
Começou na lâmina que me arrancou
Do intestino de uma mulher desacordada
Dos intestinos dela, e rápido
A reprodução desenfreada das células me trouxe
A este um metro e oitenta e três
Centímetros e cento e dez quilos
De células
Movediças
Atrapalhadas
Armadilhas
Apoteose
Da grande purga:
Eu sou a tripa;
O tempo,
A lâmina
Começou na lâmina que me arrancou
Do intestino de uma mulher desacordada
Dos intestinos dela, e rápido
A reprodução desenfreada das células me trouxe
A este um metro e oitenta e três
Centímetros e cento e dez quilos
De células
Movediças
Atrapalhadas
Armadilhas
Apoteose
Da grande purga:
Eu sou a tripa;
O tempo,
A lâmina
o dia que você pular
de paraquedas rumo ao chão
não esqueça de puxar
o piloto do avião
agarre o braço do comissário
enlace toda a tripulação
leve as asas pra cair
o trem de pouso e o timão
o dia que você pular
não desista no caminho
não queira encontrar saudade
nem virar um passarinho
não mire numa cidade
nem na casa do vizinho
não espere encontrar o chão
porque ele pode não vir, não
de paraquedas rumo ao chão
não esqueça de puxar
o piloto do avião
agarre o braço do comissário
enlace toda a tripulação
leve as asas pra cair
o trem de pouso e o timão
o dia que você pular
não desista no caminho
não queira encontrar saudade
nem virar um passarinho
não mire numa cidade
nem na casa do vizinho
não espere encontrar o chão
porque ele pode não vir, não
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